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sexta-feira, 20 de julho de 2012

RICARDO LÍSIAS E O CÉU DOS SUICIDAS

Ricardo Lísias é um escritor singular no monótono panorama em que a literatura brasileira está assentada, sentada e feliz, sem a mínima intenção de se movimentar, certos exercícios cansam, o horizonte está longe e em time que está ganhando não se mexe, costumam dizer aqueles que – cheios de certezas – sabem das coisas.

Aqueles que nada sabem, provavelmente souberam que alguma coisa estava acontecendo com Ricardo Lísias quando ele publicou dois textos autobiográficos na revista Piauí: Divórcio (novembro/2011. p. 66-67) e A Corrida (Fevereiro/2012. p. 56-58).

Ao escrever, com pouco pudor, sobre a morte de um amigo e sobre o desmoronamento do casamento (talvez um tema a ser explorado mais tarde), Lísias deu ares de ficção à própria vida. Pode não ser o método terapêutico mais indicado por nove entre dez estrelas de cinema, mas funciona (em alguns casos).

A novela O Céu dos Suicidas, 186 páginas hipervalorizadas por generosa diagramação, foi composta com frases rápidas e capítulos curtos (um procedimento bastante comum na prosa de Ricardo Lísias, basta folhear Duas Praças ou os textos reunidos em Ana O. e outras novelas). Cada capítulo, duas páginas, é de fácil leitura, em alguns momentos leitura fácil, nada de muito impactante ocorre, a ação efetiva é mais psicológica do que concreta, como convém a quem adota o minimalismo narrativo.

São poucos os personagens, sombras que deslizam pelo papel, o narrador prefere se concentrar em si mesmo, no exercício de contrição quase religioso, no aceitar a culpa que sente por não ter conseguido evitar o suicídio do amigo, no autoengano e na depressão – temas que estão tão encadeados que parecem indissolúveis.

Ricardo, o narrador, homônimo daquele que ostenta o nome na capa de O Céu dos Suicidas, é um colecionador. Tampinhas de garrafa, selos, moedas. Entre tantos elementos catalisadores de energia, o que lhe falta é amigos. O único que é mencionado com algum afeto, André, no meio de violenta crise depressiva prefere abandonar o barco e se enforcar.

Tamanho pessimismo está potencializado na linguagem utilizada pelo narrador-protagonista. Profecias do apocalipse. Ou, na melhor das hipóteses, insinuações sobre o fim das ilusões – o que, de uma forma ou de outra, é uma espécie de fim do mundo.

Outras características presentes no texto: a insônia do personagem, os acessos de fúria (quando distribui vá tomar no cu com impressionante regularidade) e uma estranha busca de redenção afetiva. Somados, esses elementos ajudam a reafirmar o caráter desesperado da narrativa – que termina em anestesia farmacológica.

Depois da internação hospitalar, dos psicotrópicos e das dores terem sido sedadas, sobraram as lembranças do amigo morto. Escrever é uma forma de impedir que a amizade desapareça no vazio que constitui a vida. O Céu dos Suicidas é isso.

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