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sexta-feira, 13 de julho de 2012

JEFFREY EUGENIDES E A TRAMA DO CASAMENTO

(...) os depressivos [constituem], em seu silencio e seu recolhimento, um grupo tão incomodo e tão ruidoso quanto foram as histéricas no século XIX, afirma Maria Rita Kehl, sem esquecer-se de pontuar que os depressivos, além de se sentirem na contramão de seu tempo, vêem sua solidão agravar−se em função do desprestígio social de sua tristeza.

Em outras palavras, a depressão aponta para os párias da modernidade capitalista, na medida em que eles se recusam a conviver com a vertigem tecnológica, com a euforia prêt−à−porter (muitas vezes, farmacológica), com o culto exibicionista do corpo e com a ambivalência resultante do pacto da mediocridade trabalhista (acumulação monetária e consumo desenfreado).

Sintomaticamente, esse espelho comportamental está cada vez mais presente no imaginário literário estadunidense. Basta lembrar alguns personagens de Jonathan Franzen (As Correções, Liberdade), Paul Auster (Sunset Park) ou Jeffrey Eugenides.

Eugenides é, guardadas as devidas proporções e pretensões, um estudioso da depressão na literatura. Iniciou com Virgens Suicidas, uma história assustadora sobre repressão sexual e tedium vitae, situada nos anos 70. Com um narrador que parece estar contando para os amigos uma dessas histórias engraçadas sobre o amor e as mortes (aparentemente sem sentido) das várias integrantes da família Lisbon, Virgens Suicidas continuará intrigando os leitores até o dia do juízo final. Por trás do tom leve, quase corriqueiro, a tragédia é que fornece o tom mais significativo. A adaptação cinematográfica (com menos humor, com mais psicologia) foi dirigida por Sofia Copolla, em 1999.

O segundo romance de Eugenides, Middlesex, segue em tom leve e engraçado. É uma espécie de flerte com o glosar/gozar os horrores do hermafroditismo e dos conflitos que rondam aqueles que transitam entre os gêneros sexuais. Embora seja, segundo a crítica, um livro "menor", a história de um menino criado como se fosse menina não foge aos ditames do horror e do isolamento físico e afetivo.

Com A Trama do Casamento, terceiro romance de Jeffrey Eugenides, a mão do escritor ficou mais pesada. Não há humor. O que há é horror. O triângulo amoroso (Mitchell Grammaticus, Madeleine Hanna, Leonard Bankhead) retrata/relata/delata um daqueles momentos que ninguém quer participar. Precisando escolher, Madeleine faz a sua escolha – e, com tal decisão, arrasta todos os três à infelicidade.

Grammaticus é o bom moço, afetuoso, amoroso. Bankhead é quase grosseiro, tem posições sólidas sobre o mundo e consegue chamar a atenção das mulheres. Madeleine prefere o segundo. E isso significa que o primeiro não vai desaparecer de cena. Mitchell Grammaticus é uma espécie de cachorro sem amor-próprio - sempre está por perto apesar das botinadas que leva amiúde. No intervalo, Mitchell vai para a Europa, numa dessas peregrinações típicas de pós−adolescente. Mochila nas costas, e acompanhado de um amigo, viaja por França, Grécia e Índia. Em contato com outros povos, descobre que deixou para trás a única pessoa que poderia fazê−lo feliz.

Enquanto isso, a vida de Madeleine e Leonard atinge as profundezas do inferno - destruição mútua através de agressões psicológicas e descompassos emocionais.

Mitchell volta, se declara e recebe outro monumental pé−na−bunda. Gesto que, ó vida, ó azar, como dizia aquele personagem de desenho animado, se repete um pouco mais tarde, quando Leonard, em crise de lucidez ou de loucura extrema,abandona Madeleine.

Entre crises afetivas, doses cavalares de lítio e recaídas amorosas, o dramalhão se desenvolve por 438 páginas. Se não fosse o talento narrativo de Eugenides, que domina como poucos a carpintaria literária, era livro para abandonar nas primeiras cinquenta páginas.

Desencanto, antirromantismo e desperdício de talento são os temas principais dessa narrativa pessimista. Ou melhor, depressiva. Três almas perdidas, condenada à infelicidade – eis a receita amorosa que Eugenides ensina aos seus leitores.

P.S: Para quem quiser conhecer os aspectos mais significativos dos estudos teóricos e clínicos sobre a depressão, um bom roteiro de pesquisa pode começar com um dos textos escritos por Maria Ritha Kehl, O Tempo e o cão – a atualidade das depressões, de onde foram retiradas as citações utilizadas no primeiro parágrafo.

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