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segunda-feira, 9 de julho de 2012

O QUE DEU PARA FAZER EM MATÉRIA DE HISTÓRIA DE AMOR

Puro exercício de linguagem, as palavras emolduram as ações projetadas para abranger discursos conflitantes, ambigüidades, incertezas, titubeios, nada do que parece certo permanece, desaparece nessa planície composta pelas 203 páginas do romance O Que Deu Para Fazer em Matéria de História de Amor, escrito por Elvira Vigna. Vinha, virá ou deixará de vir, ver, rever, revolver algumas promessas que sugerem estar escondidas no meio do vinhedo que nos embriaga nos sucos alcoólicos que compõem, decompõem,
põem na mesa, ao lado dos alimentos, uma, ou melhor, várias histórias de desencontros amorosos, sexuais, banais, que exageram nas dores, flores não há, muitas dessas colisões arrebatadoras deságuam em rimas pobres, trepadas fugidias. O objeto do desejo deseja ser objeto ou trapaça? Ameaça latente no seio familiar, familiar seio mordiscado com carinho e volúpia nessa luta constante em que os corpos transitam entre camas e cenas de adultério encenadas no banheiro, durante banhos desajeitados, não planejados, desejados durante muito tempo. Não devem ter nem se beijado. Não é sobre tesão, essa história. Entesados sentimentos retidos na fonte resultam na dramaturgia dos sentimentos, precários hematomas emocionais, alguém levou o soco no queixo, beijou a lona, viu estrelas, sonhou maus sonhos. Não há nada a t(r)emer. Günter e Arno são irmãos, meio−irmãos, diferentes e antagônicos, Günter é homem rico, dono de gráfica, Arno é homem pobre, artista plástico, Günter casou com Ingrid, ficou viúvo de Ingrid, não sobreviveu ao segundo casamento com a Inacreditável Claudete, Arno casou com Rose, talvez não tenha amado Rose, Rose foi amante de Günter e Ernest (Ernie), Roger é filho cartorial de Arno, Roger é filho biológico de Günter, Roger foi casado com alguém propositalmente inominada, Roger é pai de Lígia, Lígia detesta a narradora, a narradora se sente desconfortável na presença de Ligia, Roger foi namorado e amante da narradora, Roger é isso e aquilo, bissexual, amante de Santiago, dono de galeria de arte, e, no mínimo, um filho da puta, literalmente, literariamente, parceiro nessa mesa de jogo onde quase todos os personagens possuem nomes teutônicos, leilão de trunfos, blefe em forma de royal straight flush, a peça encaixada no espaço vazio do quebra−cabeças projeta o desenho que está, esteve, estará escondido, bispo na sétima casa do bispo do rei, xeque, a força da ameaça substituindo o que precisa ser afastado, os bárbaros preferem arrebentar as portas − esquecendo que é mais fácil procurar pelas chaves debaixo do capacho. Certas historias refletem pesadelos, não há modelos capazes de descrever o horror relatado pelas palavras, essas que pelo texto estão desfilando, desfiadas, desafiadas a verem a luz proposta pela aposta de Penélope, ardil e redil tecido durante o dia, desfeito durante a noite, retendo a enunciação de propósitos e interesses. Conteste esse teste se for capaz, diz aquele que nada quer entregar enquanto armazena o máximo de significados e (in)significantes, a economia narrativa quase à míngua, tamanha a ausência de informações, não é possível ignorar que protelar o desfecho é a meta, o alvo, salvo nada está nesse caudal que se estende pela narrativa, o escuro é sempre o espaço em que contido está o escuso, há todas essas histórias por trás da nossa história, a lembrar que Sherazade também armazenava informações, também recusava caminhar pela límpida trilha que leva ao
entendimento, à ausência de sofrimento, emoções manipuladas em doses homeopáticas vão camuflando os acontecimentos, distribuindo pistas, compondo trajetos e travessias até chegar ao desfecho, O que falo é sempre quase nada. E é o que ele repete, com variantes, neste caso também. O que falo e mostro pode perfeitamente não ter nada a ver com nada, duas gerações que trepam entre si, trai mais quem trai menos, o corpo da doença habita o coração e aquele apartamento no Guarujá, onde estava escondida a última peça artística de Arno, onde o rebaixamento sexual se pronuncia em carências e gozos no corpo do Alemão, onde finalmente a clave do raciocínio é cravada nas feridas dos muitos cadáveres que povoam a narrativa. O amor é o cemitério que chamamos de desfecho narrativo. Quase ao final, Santiago aparece em cena como uma boa alma, antes de ser devorado pela AIDS aceita morar com a narradora, aceita em cartório que o filho da narradora tome o seu patronímico, patronímico falso como devem ser todos os patronímicos nessas histórias que encobrem as verdadeiras mentiras, essas que são celebradas em dedicatórias e saudades. Ser pai do filho do amante é uma das formas mais do que disformes de castrar Roger, de subtrair a virilidade que ambos desfrutaram entre massagens e penetrações. O último mistério resolvido é a drágea de remédio substituída por algum placebo, reticências a encaminhar o entendimento à direção oposta, resiliência que aposta na soma somada ao montante em cima da mesa, espectro a assombrar os jogadores – isca ofuscante, recurso de quem está pensando em não estar. Viver e morrer são estações intermediárias de uma história muitas vezes insatisfatória, muitas vezes sem fim. Fim.

2 comentários:

  1. Orgulhosa vejo tua resenha ser compartilhada pela autora. Parabéns! Escreva mais, muito mais. Precisamos , acima de tudo, de intérpretes. E vomo escreve bem!!! Beijo

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  2. Gostei muito da resenha, bem escrita. Agora vamos à obra.
    Abraços

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