A grande novidade do dia é que troquei o detergente biodegradável por sabão de coco. Segui a recomendação de um amigo, especialista em lavar louça. Disse-me que não resseca as mãos. Ter mãos eternamente macias é um dos meus objetivos na vida. Por isso, e por meia dúzia de motivos muito mais banais, aceitei a aventura. O que não sei é se o efeito é imediato ou se precisarei aguardar até o fim da quarentena. Esqueci-me de fazer essa pergunta de suma importância.
Não
importa. Hoje, a pia da cozinha está limpa. Só não digo que está brilhando
porque ainda sou aprendiz nesse tipo de serviço. Estou adquirindo prática.
Quiçá precise dessas habilidades em algum momento do futuro. A vida muitas
vezes se parece com um turbilhão, sempre existe a possibilidade de alguma
reviravolta – para nos punir por algo que fizemos ou deixamos de fazer.
Por
exemplo, fui abrir um enlatado para o almoço. Não sei qual foi o maior
desastre, se aquela gosma engordurada na minha camiseta ou no piso da cozinha. Soltei
vários palavrões em alto e bom som. É possível que os vizinhos do andar de cima
tenham escutado. Não vai ser fácil cumprimentá-los, como se tudo estivesse bem,
quando os encontrar no corredor do prédio. Depois dessa pequena crise de destempero,
minha fama de “estranho” provavelmente aumentou.
Lá
fui eu atrás de um pano para tentar limpar o chão. Demorei uma eternidade nessa
faxina inesperada. Provavelmente fiz alguma besteira. Em algum momento
descobrirei o quê. Destruídas as chances de ter uma refeição decente, fui tomar
banho. Depois, administrei o caos. E isso quer dizer que resisti à tentação de pedir
comida pelo delivery. Improvisei. Ficar com fome não era opcional.
Passei
a tarde toda trabalhando. O computador é o meu feitor de escravos. Serviço não
falta – o que falta é a vontade de trabalhar. Sempre defendi a tese de que é
melhor deixar para amanhã o que não quero fazer hoje. E raramente quero fazer
alguma coisa – hoje ou amanhã.
Infelizmente,
o direito à preguiça é uma escola filosófica que conta com poucos adeptos no
mundo utilitarista contemporâneo. Falta crédito. Sobram débitos.
Os
detentores dos meios de produção, vulgarmente chamados de empresários ou
empreendedores, alegam que os trabalhadores devem produzir incessantemente e
que os custos para obter o máximo da força de trabalho devem ser mínimos. Simultâneo
a essa postura, o medo de que aconteça algo imprevisto acena como uma espada no
pescoço do condenado. Considerando que entre aqueles que fazem negócios não há um
único inocente, grandes prejuízos econômicos podem machucar mais do que dez
anos de trabalhos forçados.
A
ironia surge através do Covid-19, que colocou a voracidade capitalista em xeque.
A pausa obrigatória, popular quarentena, confirmou tudo o que antes
parecia ser apenas paranoia de alguns economistas pessimistas. A Bolsa de
Valores despencou, as moedas perderam valor e a relação capital-trabalho voltou
a ter visibilidade.
Espectador
privilegiado dos acontecimentos, encontro – atualmente – na vassoura, no sabão
de coco, no computador e nas pequenas comédias cotidianas uma forma de
sobrevivência. Nas horas vagas leio, escrevo, assisto filmes, fujo do
trabalho, converso comigo mesmo, procuro não enlouquecer. Talvez não seja
muito. Mas, para mim, é o bastante.
(continuo
em outro momento)
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