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quarta-feira, 27 de maio de 2020

DIÁRIO DA QUARENTENA (LXVI)




Todos possuem um (ou vários) ponto(s) fraco(s). Um dos meus é pão feito em casa. Outro é a inveja. Inveja de quem sabe fazer pão em casa. E se, por esse pecado, me couber condenação em um dos nove círculos do inferno, conforme previsto na Divina Comédia (Dante Alighieri), aceitarei minha punição sem reclamar, desde que possa comer pão feito em casa.

Nas redes sociais, há centenas de postagens de roupas de grife, relógios folheados a ouro ou automóveis que custam vários milhões de dólares. Nunca reclamei disso. Posso viver sem esses brinquedos. Tenho como meta outras questões.

O que me perturba e causa uma espécie de curto-circuito emocional são os livros e os pães feitos em casa. Por ora, deixemos os livros de lado e nos concentremos nos pães.

O distanciamento social está impossibilitando um dos atos civilizatórios mais significativos que é o sentar à mesa e (re)partir – com as mãos! – o pão. E isso remete à palavra “eucaristia” (do grego antigo εὐχαριστία), que pode ser traduzida por “reconhecimento” ou por “ação de graças”. No catolicismo, está relacionada com a divisão do pão e do vinho (corpo e sangue de Deus). Em uma interpretação livre significa se preocupar com o Outro, fornecer alimento para quem não tem o que comer.

Dito isso, convém esclarecer que a quarentena explica porque – ainda! – não fui tocar a campainha da casa de algumas almas maldosas que postam fotos (em diversos ângulos!) de algumas maravilhas da panificação artesanal. Ah, se os tempos fossem outros!!  


O sabor do pão da minha mãe se mistura com dias longínquos onde o menino que fui ia até o armazém na esquina comprar fermento (Royal?, Fleischmann?, nunca soube qual era para o pão e qual era para o bolo). Depois, todos se reuniam na cozinha. Fazer o pão era motivo de alegria. Misturar os ingredientes, sovar a massa, fazer biscoitos com diversas formas (pessoas, animais), colocar na forma (tinha algumas pequenas e uma cumprida), abrir o forno do fogão à lenha, colocar tudo lá dentro. E esperar. Esperar o milagre que transforma aquela massa gosmenta em alimento. Mal o pão saia do forno, uma parte era devorada imediatamente (um fio de fumaça iluminando a fome). Pão quente é outra coisa! Depois, com o passar do tempo, o restante da fornada era consumida de maneiras variadas: com doce de leite, com geleia, em sanduíches de queijo ou puro.  

Também tenho saudade do pão da Dona Dilma (minha Presidenta!), de quem fui vizinho por muitos e muitos anos. Era (é) uma delícia. Bom para comer puro. Como a vida se movimenta e precisamos nos adaptar a isso, mudei de endereço quase três anos atrás. No dia anterior à mudança, ela me visitou, e como presente de despedida me deu um prato de biscoitos, um gesto de ternura que lembrarei para sempre.

Em determinado momento de desequilíbrio psíquico, pensei em comprar uma daquelas máquinas de fazer pão. Felizmente, desisti em tempo. Sou um preguiçoso. Provavelmente a geringonça acabaria encostada em algum canto e eu continuaria a comprar pão na padaria, como faço frequentemente.

Ciabata, bun, pita, croissant, aussie bread, integral, pão de batata, pão de centeio, pão com múltiplos grãos, etc. – são tantos os versos do poema. Em compensação, o pão de trigo, também chamado de pão d'água, é um desses momentos que o poeta sem imaginação rima amor, flor e dor. 

Meu reino por um pedaço de pão caseiro!  

Um comentário:

  1. Adoro pão! Vou compartilhar uma receita fácil que fiz com as crianças. Fixa uma delícia!Passo pelo Facebook.Adorei a leitura. Estou atrasada com suas leituras, mas vou atualizar. Essas aulas on-line estou me deixando louca!

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