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sábado, 2 de maio de 2020

DIÁRIO DA QUARENTENA (XLI)




Uma das grandes alegrias de minha infância e pré-adolescência era ir ao cinema. Talvez a maior. O meu imaginário está povoado por aventuras que se distanciam da verossimilhança: Spartacus lutando no Coliseu, Flash Gordon no Planeta Mongo, piratas atacando navios carregados de ouro, D’Artagnam na corte de Luís XIV, o prisioneiro de Zenda, Sansão derrotando os filisteus, o submarino Náutilus tentando fugir dos monstros que habitam as profundezas abissais.  

Meus preferidos eram os faroestes. O xerife lutando contra os assaltantes de diligência, os duelos ao por do sol, as brigas no saloon (depois de várias doses de uísque), a cavalaria do General Custer, a mocinha ingênua, os ataques dos índios aos carroções dos colonos, o desajustado que se transforma em herói. Os revolveres e rifles com munição interminável, o personagem que morria duas ou três vezes no mesma cena. Assuntos para uma semana no recreio da escola.

Toda semana, um filme diferente. Cine Tamoio. Algumas vezes no Cine Marajoara. Sentado naquelas cadeiras desconfortáveis, chupando bala azedinha ou pirulito Zorro, ficava entretido por duas horas. Só existia o que estava sendo projetado na tela. O mundo exterior se tornava ficcional.

Meus irmãos, nas poucas vezes em que nos reunimos, costumam reclamar da vez que fomos assistir Meu Pé de Laranja Lima, um dramalhão infanto-juvenil. Dizem eles que, para obrigá-los a ficar quietos, não economizei beliscões. Mostrando as marcas, me denunciaram para a mãe – que, por sua vez, transferiu o castigo para o pai.




Era um tempo mágico e ninguém reclamava da existência simultânea de dois Zorros. E completamente diferentes. Hi-yo, Silver!, gritava The Lone Ranger (Zorro, no Brasil), enquanto o cavalo saia em disparada pela imensidão da planície. Na companhia de Tonto, um nativo estadunidense, sua luta contra os fora-da-lei do velho Oeste era implacável. Na outra ponta, na Califórnia espanhola, Don Diego de La Vega era um pacato filho de um estancieiro, que procurava fugir de qualquer confusão. Mascarado, lutava contra os bandidos (e os marcava com um Z). Usando a espada e o chicote com habilidade, Zorro enlouquecia o Sargento Garcia – típico policial trapalhão.

No ramo das comédias, a dupla imbatível era formada por Bud Spencer e Terence Hill. As trapalhadas, em efeito cascata, sugeriam que a trama era apenas um festival de gargalhadas.  




Giuliano Gemma, John Wayne, Lee Van Cliff, Allan Ladd, James Coburn, Randolph Scott, Audie Murphy, Joel McCrea, Lee Marvin – são tantos os atores que povoaram o imaginário de quem ia ao cinema.

Um complemento indispensável para os westerns spaghettis dirigidos pelo Sergio Leoni era as trilhas sonoras do Ennio Morricone. A ação e a música em comunhão.

Tenho saudade do tempo em que a ilusão sempre terminava em final feliz.


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