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sexta-feira, 1 de maio de 2020

DIÁRIO DA QUARENTENA (XL)




Os efeitos da quarentena e do Covid-19 são diferentes para cada indivíduo. Nas redes sociais é possível encontrar inúmeros depoimentos de pessoas que estão à beira da depressão, que não conseguem ter boas noites de sono e que se sentem impotentes diante de algo que é invisível aos olhos e que causa medo.

Eu também tenho medo. E isso – paradoxalmente – serve para me manter saudável. Manter os mecanismos psicológicos em alerta significa entender que existe o perigo. Além disso, mesmo que pareça estranho, cabe tentar alcançar essa linha do horizonte que chamam de "a longo prazo". Sobreviver, em síntese.

Entre o otimismo (que afirma que, em algum momento, voltaremos ao “normal”) e o pessimismo (que declara que, depois do Covid-19, a devastação será inevitável), ainda não me decidi por qual posição adotar, inclusive porque sei que entre uma coisa e outra há muitas nuances – inclusive o nada. É necessário estar preparado para o que está por vir. E isso só ocorrerá em bons termos se não alimentarmos esperanças ou pânico.

Durmo entre seis e oito horas diárias, sono tranquilo, nenhum pesadelo. Algumas vezes acordo no meio da madrugada, efeito básico de quem passa o dia tomando água, chá, suco, Coca-Cola. Resolvido o problema, volto para a cama e o mundo desaparece por mais algumas horas. Pela manhã, estou disposto, zero cansaço.

O que há de diferente no dia a dia é que desacelerei alguns projetos, deixei em banho-maria várias ideias. Vejo poucos filmes (deveria me dedicar mais ao cinema). Penso em assistir todos os episódios de Big Bang Theory (outra vez). Ampliei o tempo em que estou conectado na internet. 

Esse conjunto de sinais, em outra situação, poderia acionar o alerta vermelho. Neste momento, não creio que mereça inquietação. 



O confinamento pode ser o momento ideal para a pesquisa, a escrita e a análise teórica. Encontro algum tipo de impedimento. Ou melhor, de dispersão. Não consigo me concentrar no trabalho intelectual. Talvez, mais tarde, esse ritmo se modifique. Talvez. Quando isso acontecer, nada mais restará senão mergulhar em um monte de informações, separar o que importa e aquilo que – em outro momento – poderá ser utilizado em novo objeto de pesquisa.  

Em compensação, estou me esforçando para diminuir a pilha de livros que esperam por leitura. Está na hora de saldar dívidas que acumulei com o tempo. Preciso parar de passar pequenas vergonhas. Não gosto de confessar que ainda não li este ou aquele texto – fato que está em desacordo com a voracidade que me levou a comprar o exemplar.

Estou ouvindo música diariamente. Em alguns momentos, clássicos da MPB e jazz (saxofone, piano); em outros, clássicos (Domenico Scarlatti, Gustav Mahler, as paixões de sempre). Gosto de me transportar para um mundo paralelo, onde as notas musicais se movimentam e produzem beleza.

Tenho limpado o apartamento (pela manhã) e tomado banhos de sol (no início da tarde). A necessidade determinou essa rotina. Uma forma de terapia ocupacional. Não é muito ruim. Só um pouco.

Dizem que a quarentena vai se arrastar por mais algum tempo. Pode ser. Estou suportando-a com um mínimo de dignidade. Procuro sair de casa o mínimo possível (supermercado, banco, farmácia, lavanderia).

E, enquanto não há algum tipo de resolução, aguardo.  


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