− Como vai?
− Mal.
Seja por medo dos fantasmas que se escondem na vida alheia, seja por absoluta falta de compromisso com o coletivo, ninguém está preparado para a sinceridade ou para ajudar nas questões intimas. Diante da "educada" pergunta "Como vai?" (que é uma espécie de "foda−se", sem precisar pronunciar o palavrão), ninguém espera outra resposta senão "Tudo bem". Diante de qualquer alternativa que não seja a protocolar, o caos se instala.
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O Brasil foi invadido pelos diminutivos. Tudo é "inho". Um minutinho, um pastelzinho, um cafezinho. Não importa a circunstância ou o assunto, é impossível escapar da infantilização. Esse fenômeno, difícil de definir, talvez esteja relacionado com a necessidade inconsciente de diminuir tudo o que não está sob controle, talvez seja apenas um ponto de fuga no cenário da molecagem que nos caracteriza. Muitas vezes constitui uma tentativa tola de criar alguma forma de (falsa) intimidade. Em outras ocasiões, é apenas um vício de linguagem – desses que acompanham as temporadas de moda. No próximo verão, outra bobagem o substituirá.
− E se fosse à vistinha?, perguntou, ao telefone, a funcionária de uma operadora telefônica. Pouco importa se a conversa versava sobre prazos ou pagamentos na ocasião da compra, o que está errado na frase é a falta de visão lingüística, que não percebe a extensão do ridículo.
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Em algumas lojas, o senso de propriedade confunde o público com o privado. Muitas(os) funcionárias(os) utilizam expressões complicadas: "Não tenho no estoque", "meu computador está estragado". Diante da ausência de senso critico, esse tipo de construção frasal concorda que o estoque não é da loja e sim do empregado e que o computador não é um instrumento de trabalho coletivo, é de uso pessoal e intransferível.
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No país em que todos erram todas as concordâncias e "engolem" os "erres" e "esses", os mal−informados (aproveitando o que imaginam ser um equívoco do governo federal) não param de discutir (como se fossem especialistas!) as diferenças entre norma culta e linguagem coloquial. A mediocridade não para de assustar.
Silenciosamente, apoiado por essa classe media pretensiosa (que não sabe ler e escrever) o verdadeiro inimigo está idiotizando a todos. Entre milhares de exemplos, palavras adequadas para o exercício da comunicação como "apagar", "jogos" e "camiseta" foram substituídas por "deletar", "games" e "t−shirt". Disso ninguém reclama. Também não incomoda o barbarismo que é traduzir algumas expressões pela metade ("top dez") ou aceitar como legítimo esse horror: "Vamos estar indo disponibilizar sua solicitação", que não passa de tradução ridícula de uma estrutura frasal que funciona em inglês, mas que, em português, necessita de correção no tempo verbal
Absurdos como "elencou" ou "alavancou" deveriam motivar discursos indignados no Congresso Nacional, mas isso jamais acontecerá. Provavelmente, alguma "sale" embotou a inteligência, quem é que consegue resistir a essas delícias que são os "60% off"?
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No meio da conversa, alguém diz: "Sucesso. De verdade". "De verdade?". Não há lógica em desejar sucesso "de mentira" − nem mesmo como ironia.
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