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quarta-feira, 4 de maio de 2011

SORVETE DE PISTACHE

Certos dias a gente nunca consegue esquecer.

O cenário: a irresponsabilidade de ficar dormindo até mais tarde, em uma quarta-feira; os corpos do homem e da mulher ao alcance do desejo; os beijos apaixonados; a cumplicidade como parte de uma escalada ao Everest das ilusões.

Lá fora, o sol, a rua e seus mistérios, o alvoroço urbano, as tarefas adiadas. É um daqueles dias que parecem destinados à felicidade: nada de errado poderá nos atingir. Mesmo assim, mesmo aparentemente protegidos, nunca se está a salvo. Contra tudo e contra todos, contra os prognósticos mais exatos dos horóscopos, contra o mar que lambe lascivamente as rochas, contra os prazeres mais sofisticados e saborosos, existem as ameaças inevitáveis de pequenos incidentes, cristais partidos, a certeza de que nada mais será como antes.

Muitas vezes é só uma frase dita ao acaso, entre outras tantas. E que poderia passar despercebida – em outra oportunidade.

As palavras se solidificam no ar e o ouvido transfere ao coração o peso e a espessura do que foi pronunciado. A consciência de que alguma coisa ruim aconteceu avisa que, provavelmente, é tarde demais para voltar no tempo e consertar o desencontro.

Os acontecimentos se desenvolvem da maneira mais insólita possível. Por exemplo, você e a pessoa amada estão caminhando pelas ruas de uma cidade estranha. Perto de uma praça, uma sorveteria. Quem consegue resistir?

Cada um faz o seu pedido. Você, pistache. Ela, morango. Depois, voltam à rua. Sem pressa, começam a subir um pequeno morro, na direção de um museu.

Enquanto o sorvete se dissolve na boca, as sementes de pistache fazem cócegas na língua. É nesse momento que acontece a ruptura: você oferece um pouco desse prazer para a mulher. É mais do que um gesto educado, é o desejo de compartilhar uma parte de tua vida com quem você ama.

Desafortunadamente, não é assim que o “outro lado” pensa. E a resposta soa cheia de rancor.

– Você só pediu pistache porque não queria dividir comigo.

– O quê?

– Eu não gosto de pistache. Você sabe disso. Tenho a impressão de que você só pede esse sabor para se afastar um pouco mais de mim.

Pronto, alguma coisa se quebrou entre vocês. E de uma forma banal. O que antes era equilíbrio e respeito se transformou em distância. Surge, diante dos olhos, uma pessoa estranha – depois de tantas noites e tantos dias e de tantas vezes em que um aliviou a sede na saliva do outro.

O medo se transforma em verdade e diz: é aqui que termina o sonho.

Não será surpresa se, algumas noites depois desse desencontro, você não conseguir dormir. A insônia o fará ficar olhando para o corpo que está ao teu lado. Enquanto ela dorme, passam pela tua mente, como se fossem fotogramas de um filme descolorido, as imagens de um tempo em que tudo parecia ser possível.

Infelizmente, como um choque elétrico, viver é conviver com as sombras de um passado que vai se desintegrando lentamente, uma dor insuportável.

Então, o melhor a fazer é virar o rosto para a parede e esconder as lágrimas que, lentamente, inundarão o teu rosto e só estancarão no dia em que contaminarem a tua sombra.

Um comentário:

  1. É isso mesmo...em um instante, o encanto se quebrou. Mas o tempo é sábio e traz outro tempo e outro amor.
    Beijo!

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