Páginas

segunda-feira, 9 de maio de 2011

O ESPELHO E A ESPOSA DO SILVA

A maior surpresa da história do bairro foi o casamento do Silva com a Conceição. Impossível entender como o "cachacista militante" conseguiu agarrar a ninfa. Sim senhor: ninfa. Outro qualificativo seria inadequado.

Quase 18 anos, bonita, curvas capazes de provocar acidentes automobilísticos, lábios de mel e os olhos cheios de promessas indecorosas. Para completar o cardápio, era magrinha – mas, sem mostrar as costelas, pois quem gosta de osso é cachorro.

Para o pessoal que freqüentava o bar Gre−nal, Conceição tinha potencial para posar na Playboy. Edição internacional.

No início foi aquela festa: amorzinho prá cá, amorzinho pra lá, beijinhos e carinho. Depois... Depois, o mundo desabou.

Silva era machista. Não satisfeito em tratar a esposa como propriedade, dizia que lugar de mulher era pilotando fogão e tanque de roupa. Quando suspeitava que alguém estava olhando para o corpo de Conceição, o ameaçava de morte ou de coisa pior. E ninguém queria saber o que significava essa "coisa pior".

Quando não estava controlando os movimentos da "cara metade", Silva tomava "todas", lá no boteco da esquina. Qualquer motivo era motivo para mais uma cerveja, um "liso" de steinhager, um conhaquezinho para rebater. "Máquina azeitada funciona melhor", explicava para os amigos. E, nesse ritmo, a conversa se estendia madrugada afora. Conceição cansou de esperar pelo marido. Quando o cara chegava cedo em casa era umas três, quatro da madrugada. Depois, dormia até o meio−dia. Acordava com aquela cara de ressaca que nem a mais tolerante das mulheres consegue agüentar.

Depois do banho, o almoço. E depois do almoço, sempre cobrava os seus direitos de marido. Tudo no maior carinho, como se nada tivesse acontecido.

Quando Conceição pediu algum dinheiro para comprar roupas novas, Silva fingiu não ter escutado. A musa insistiu:

− Preciso de vestido, roupas íntimas, essas coisas.

Em ritmo de brincadeira, Silva disse que ela era bonita pelada e não havia motivo para comprar roupa nova porque eles nunca saiam de casa.

− Mulher com roupa nova só serve para atiçar homem. Não quero ver essa cachorrada do bairro babando pela minha princesa. Não quero e ponto final.

E com essa lengalenga enrolou a esposa durante algum tempo. Depois, mudou de tática: colocava uma nota de R$ 100,00 em frente ao espelho da penteadeira e dizia:

− Se você conseguir pegar aquela nota, lá dentro do espelho, pode gastar no que quiser. Essa aqui é minha.

Conceição quase enlouqueceu. Ciente de que para tudo há remédio, deixou a areia escorrer pela fissura que une as duas metades da ampulheta.

Com o passar do tempo, Silva percebeu que a esposa estava diferente. Não era mais aquela "potranca" dedicada, carinhosa.

No boteco, enquanto tomava um "martelinho" de pinga com mentruz, Silva confessou para o Betão da Penha que algo estava fora do lugar. Não conseguia perceber o que exatamente havia mudado.

Espalitando os dentes, Betão escutou o caso. Pediu uma cerveja. E sentenciou:

− Barriga e chifre, quando crescem, são para sempre.

− Isso lá é coisa que se diga para amigo?, rebateu Silva.

De cara feia, pagou a conta e foi embora. Quer dizer, embora não foi, porque, na saída, encontrou um grupo de pagodeiros. Não resistiu ao apelo festivo e caiu na folia. Resultado: chegou em casa lá pelas sete da manhã. Além disso, não conseguiu explicar para a esposa onde havia arranjado aquelas manchas de batom na camisa.

Uma semana dormindo no sofá foi o castigo.

Tentou negociar uma anistia. Tentou. Não teve a necessária habilidade diplomática para contornar as dificuldades conjugais. Conceição pediu, mais uma vez, o dinheiro para comprar roupas. Com a cara−de−pau de sempre, tirou do bolso a nota de R$ 100,00 e, diante da penteadeira, repetiu a conversa de sempre:

− Essa aqui é minha, aquela lá, dentro do espelho, é tua!

Foi a gota d’água, aquela que transborda o copo. Conceição foi até o guarda−roupa. De dentro, retirou um vestido novo e o colocou sobre a cama. O mesmo procedimento foi executado em uma das gavetas da penteadeira: retirou diversas calcinhas e sutiãs e as jogou em cima da cama.

Silva finalmente percebeu que havia perdido o jogo. Mesmo assim, fez uma última tentativa. Puro desespero. Tentou abraçar a esposa. A recusa foi imediata.

Como se isso não bastasse, Conceição levantou a saia, tirou a peça intima e mostrou o sexo diante do espelho.

− Tá vendo lá, no espelho? Aquela é tua. Essa aqui é do Betão da Penha!

Nenhum comentário:

Postar um comentário