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segunda-feira, 13 de junho de 2011

ÁLVARO ROGÉRIO MUNIZ

Toda vez que perdemos alguém que nos é próximo, alguém que admiramos, um familiar, um amigo, o desânimo se instala. É difícil carregar os mortos − seja metafórico, seja dolorosamente real, esse transporte exige forças que poucas vezes conseguimos obter.

A amizade que me unia ao Álvaro Rogério Muniz (falecido na última quinta−feira) estava sedimentada na troca de gentilezas masculinas. Insultos e insinuações sobre a vida sexual eram constantes. Quando a "empulhação" (que é uma forma regional de sacanear a vítima) era impossível, ninguém fazia economia naquelas palavras que os mais educados evitam pronunciar em público. Nós escolhíamos as piores possíveis – exatamente porque são as mais divertidas.

Fomos amigos durante mais de 30 anos. Inclusive porque trabalhamos juntos, durante o governo municipal de Carlos Fernando Agustini – eu, como funcionário menor na Comunicação Social, ele como presidente da Fundação Municipal de Esportes. Então, nosso contato nessa época foi constante, muitas atividades esportivas para serem divulgadas.

Depois dessa experiência administrativa, por contingências da vida, tomamos rumos diferentes: eu, em Florianópolis; ele, em Balneário Camboriú. Ou seja, passamos um tempo sem ter notícias um do outro. Depois que voltei para Lages, de vez em quando o encontrava no calçadão − ele freqüentemente subia a Serra para ver os filhos, os parentes, resolver questões pessoais.

Um dos nossos interesses comuns era a política (esportiva, partidária). Então, nossas conversas tangenciavam essa questão. Nos momentos mais amenos, falávamos mal, muito mal, dos outros. Apenas para expelir veneno, para "cornetear" os ingênuos e os políticos. Era uma forma de terapia ocupacional – com a vantagem de não precisar pagar pelo terapeuta.

Uma das últimas vezes que o vi foi em frente à agência central do antigo BESC. Lembro que ele tentou se esconder de mim. Nada pessoal. Quer dizer... Ele tentou se esconder de si mesmo. Apesar do histórico médico horroroso, Álvaro nunca conseguiu parar de fumar. Bem, parar ele parou – centenas de vezes. Infelizmente, voltou ao vício – centenas de vezes. Ao me ver, sabendo que eu iria "encher o saco", tentou fugir da patrulha anti−tabagista. Tarefa mal sucedida, óbvio. Como é que um cara com o tamanho de um ex−jogador de basquete consegue se esconder atrás de uma pilastra?

Foi como jogador e, depois, técnico de basquete que "Cacique" (apelido que carregou pela vida afora) ficou conhecido no mundo esportivo catarinense. Seus atletas, alunos do Colégio Diocesano, foram multicampeões nas diversas categorias etárias. Para obter esse sucesso, Álvaro não economizou energia, gritos, ameaças e palavrões. Sabia que a transfusão de confiança no esporte envolve uma dinâmica muito complexa (ponta−pés misturados com afagos) entre treinador e atleta. Se tivesse que fazer o mesmo serviço nos dias de hoje, com todo esse cerceamento promovido pelo politicamente correto, provavelmente algum pai histérico o teria denunciado por maus−tratos. Ou coisa pior. De qualquer maneira, no mundo esportivo, alguém precisa fazer o trabalho sujo – e ele nunca se esquivou da responsabilidade. Em contrapartida, foram as bolsas de estudo fornecidas pelo basquete (ou seja, por Álvaro) que possibilitaram ensino de qualidade para muitos atletas. Vários jogadores agarraram essa "chance de ouro" e alteraram um destino que parecia os condenar a viver na linha da pobreza.

No mundo esportivo, sempre fui espectador. Ou seja, raras vezes entendi os acontecimentos fora do espaço lúdico. As brigas nos bastidores, a guerra psicológica nos vestiários, o mundo passional de cada jogador, nunca tive interesse nessas coisas. É provável que Álvaro tivesse alguns defeitos, como alegam os desafetos. Mas, sentado na arquibancada, só consigo me lembrar das vezes em que o vi vibrando com cestas inesperadas, só tenho lembranças das piadas grosseiras, das risadas despreocupadas e da vontade insaciável de vencer.

Álvaro: ficamos mais sozinhos sem você!


As fotos de basquete foram cedidas por Marcelo Menegotto (da esquerda para a direita, o quarto em pé). Interessante notar que pelo menos dois dos meninos da foto acima (1989) jogaram basquete profissional (Rafael, ao lado de Álvaro) e Felipe (da esquerda para a direita, o quarto, agachado).

2 comentários:

  1. Apenas hoje eu soube da morte do grande Cacique. Seu Álvaro, como também era chamado, foi meu técnico no GED. Muitas vitórias, sim, e muitas guerras psicológicas também, é fato. Deixará saudades. Antonio Rossa

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