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sexta-feira, 15 de julho de 2011

NÃO FUI À FLIP

Não fui à Festa Literária Internacional de Paraty. Aliás, nunca fui à FLIP. Nem mesmo conheço Paraty. Azar o meu. Mais uma vez perdi a oportunidade de – hereticamente − misturar algumas das cachaças produzidas na região com limão galego e um pouco de açúcar (naqueles dias em que a consciência "verde" se manifestar com mais força, açúcar mascavo). Na mesa do restaurante estaria cercado de amigos ocasionais − aqueles com quem gostaria de conversar sentados a uns dez poetas de distância. Para não ficar bêbado logo, caberia pedir, como acompanhamento, algumas postas de peixe frito. Ou casquinhas de siri. Camarão não gosto, mas tenho certeza que alguém solicitaria várias porções. A mesa cheia de copos, pratos, talheres, garrafas de sucos diversos. A conversa se estenderia até onde pudesse, envolvendo o fim de tarde. O sol e o tempo desaparecendo no horizonte, a preguiça pedindo um bom sono, o corpo se equilibrando nas pedras que compõem as calçadas da cidade.

Não fui à FLIP. Perdi a chance de conhecer, ao vivo e em cores, algumas figurinhas carimbadas desse álbum que chamam de literatura. Não tive a oportunidade de aplaudir Mestre Antonio Cândido. Teria sido ótimo vibrar com as histórias de João Ubaldo Ribeiro. Fiquei sem o autógrafo de James Ellroy. Desperdice a possibilidade de estar próximo de Pola Oloixarac, um espécime raro (em vários sentidos). Também escapei de assistir ao choro (éca!) de walter hugo mãe. Se encontrasse Laura Restrepo, far−lhe−ia perguntas sobre a culinária de Colômbia. Estive ausente no momento em que o Manuel da Costa Pinto (que até então fazia pose de bom moço) ofendeu o Claude Lanzmann (que, depois, retribuiu o agrado disparando um certeiro "estúpido").

Não fui à FLIP. Muitas festas, palestras para assistir, happenings diversos e variados. Estive ausente em toda essa intensa movimentação social. Faltei em algumas trambicagens culturais (oportunidades para acertar algum negócio: cursos de redação criativa, aulas). Vestindo a máscara de aprendiz de intelectual terceiro−mundista deixei de comparecer às leituras públicas e aos recitais de poesia − ocasiões em que qualquer cara de pau pode fazer comentários e perguntas aparentemente geniais. Ao ficar em casa, não me foi possível exercitar meu péssimo inglês com algum convidado da festa, os erros crassos de gramática atrapalhando (e unindo) a nossa conversa.

Não fui à FLIP. Considerando o resíduo romântico que edulcora a cultura brasileira, talvez tenha perdido a oportunidade de conhecer a princesinha que encantaria esse bosque em que vivo (na intimidade, o chamo de solidão). Um dia, no meio da manhã, em um evento menos badalado, não seria possível descartar a possibilidade de alguma mulher bonita e carinhosa (talvez Pola!) olhar para o lado. Por sorte ou coincidência, olhar para mim e descobrir algum encanto que nenhuma outra mulher descobriu antes. Eu, se lá estivesse, olharia para ela − e teria a certeza de que não mais existiriam motivos para se preocupar com o que está acontecendo no mundo. Que a Grécia decrete a bancarrota, que a Itália seja invadida pelos albaneses, que a direita domine a França – só me interessaria, naquele momento, as delícias do amor, uma fome repentina, dessas que precisam ser repartidas. Um bistrô simpático ali na outra quadra, será quê?

Não fui à FLIP. Depois de todas as emoções, ressacas e namoros, o limite do cartão de crédito estourado, somente restaria voltar para casa − de ônibus, quase um dia dentro daquela lata de sardinha −, excesso de bagagem causado pela pilha de livros autografados.

Não fui à FLIP. E, por algum motivo, desses que são difíceis de explicar, estou contente.

5 comentários:

  1. Maravilhoso amigo! Sentado à mesa, a dez poetas de distãncia, simplesmente sensacional! entendo isso como vc estar cercado de poetas, ou querer estar distante mesmo? (risos)

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  2. Serve os dois sentidos, as vezes as palavras estão na contramão, abrindo caminho para que o pensamento não seja apenas uma folha caindo na árvore, em tardes de outonais.

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  3. Uma confissão: espero que você me perdoe por um pequeno furto. Essa noção de distância é do Martin Amis. No texto de "A viúva grávida", encontrei o seguinte: "Prentiss e Jorquil estavam separados por vinte italianos de distância" (p. 398)

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  4. Parabéns pelo blog Raul!
    Abraço!

    Bruno Fortkamp

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