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terça-feira, 27 de março de 2012

A CASA DE PAPEL

Os livros são perigosos. Sempre foram. Muitos leitores perderam o rumo e o prumo enquanto eram engolidos pela voracidade narrativa de certas histórias. Nenhuma dúvida: jamais as histórias certas. O grande passeio turístico promovido pela literatura contempla as rotas incertas − a vida e a adrenalina se confundindo nas encruzilhadas que separam o tempero e o esmero, os laços e os nós.

Se o desejo for por tranquilidade e segurança, uma certeza: isso jamais será encontrado nas páginas de um livro. Melhor tentar o trapézio ou o automobilismo. A ficção está em contato intimo com as complicações − foguete a explodir no céu em mil estilhaços de luz e surpresas. Nem mesmo as histórias de amor escapam dessas trapaças, arruaças, vertigens e abismos.

Frequentemente, é mais difícil desfazer−se de um livro do que obtê−lo. Aderem−se a nós com um pacto de necessidade e esquecimento, tal como se fossem testemunhas de um momento de nossas vidas ao qual não regressaremos, constata o narrador da novela A Casa de Papel, do argentino de nascimento e uruguaio por opção afetiva Carlos María Dominguez.

Um professor de línguas hispânicas recebe um envelope volumoso, selos do Uruguai. Dentro, um exemplar de A Linha de Sombra, do Joseph Conrad. A capa e a contracapa sujas com uma crosta de cimento. O livro era destinado a Bluma Lennon, antiga titular da cadeira acadêmica que o narrador está substituindo e que morreu atropelada enquanto lia Emily Dickinson no meio da rua.

Esse é, digamos, o tijolo inicial da história. O que se segue por apenas 98 páginas, formato de livro de bolso, obedece a ordem natural das regras das edificações mais complicadas. Livros e paredes se confundindo com o conhecimento e a paixão amorosa.

Há também um filete de romance policial a permear o texto. Ao tentar responder às perguntas elementares (o quê?, como?, quando? e porquê?), o narrador vai investigando a alma humana, os descompassos amorosos e a obsessão pelos livros. E descobre que existem mais mistérios entre uma estante e a literatura do que imagina o leitor.

A ligação afetiva entre o bibliófilo Carlos Brauer e a professora Bluma Lennon nas ruas e quartos de hotéis em Monterrey, México, resulta em final infeliz. Nenhum problema. Essa é uma história de separação. É a impossibilidade de manterem uma relação estável que os atrai e, ao mesmo tempo, os afasta.

No entanto, quando a separação se efetiva, é na Argentina que o ressentimento se transforma em substância mensurável. O amor aos livros se confunde com a casa edificada com papel e argamassa. O conhecimento e a bibliofilia se transformam em objetos “uteis”. E isso significa que a metáfora do conhecimento atingiu, de forma inversa, o seu grau maior: um homem havia atravessado, com brutalidade, desgosto e certeza, sua linha de sombra.

4 comentários:

  1. Pela descrição, seu livro parece muito bom.
    Sucesso pra ele e pra você, Raul.
    Onde se pode encontrá-lo aqui no Rio?

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  2. Dade: Eu gosto muito desse livro. A edição brasileira é de 2006, Editora Francis. E acredito que na Saraiva ou na Cultura é possível encontrá-lo!

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  3. Tive a mesma impressão da Dade.
    Esse eu quero adquirir tb...
    Beijo e sucesso sempre!

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