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quarta-feira, 7 de março de 2012

JOHN UPDIKE (1932-2009)

John Updike nunca me decepcionou. Ops! Essa é uma frase típica de quem gosta do escritor – e não da literatura que ele produziu. A decepção é um vinho amargo, quase vinagre, e a safra toda está reservada para os inimigos. Updike teve uma produção desigual.

Ele soube aproveitar os momentos certos.

Como não é possível ser genial o tempo todo, em alguns momentos foi apenas escritor. E isso, claro, nem sempre é suficiente. No mundo competitivo em que vivemos, tropeços devem ser evitados. Ou melhor, alguns livros (como Brazil) não deveriam ter sido publicados. Em compensação, outros, como a tetralogia Coelho Corre, Coelho em Crise, Coelho Cresce e Coelho Cai, são obras de arte.

O realismo desconfortável da província está expresso na história protagonizada por Harry Rabbit Angstrom. A mesmice da vida social aparente entra em contraste com a agitação sexual submersa em casamentos frustrados, em ambições que não se concretizam. A tranquilidade do mundo Wasp (white, anglo-saxon and protestant) desaparece quando o que se imaginava ser certezas entra em curto-circuito. A angústia (expressa no “nome de família”) resulta em confusão, fuga e arrependimento. A reunião dos quatro volumes resulta em uma narrativa que se estende por trinta anos de infelicidade. Para não precisar conviver com a sombra de um personagem tão emblemático, Updike, alguns anos depois da publicação do último volume da tetralogia, não teve escrúpulos e o “matou” na novela Coelho se Cala.

Updike gostava de abordar temas inusitados. Na ânsia de capturar o novo, nem sempre conseguia produzir romances de qualidade. Compensava o desacerto com boa pontaria. A sua narrativa mais polêmica, Casais Trocados, resultou em doce e delicioso escândalo. Houve quem – dentro e fora das igrejas – esbravejasse contra esse alentado atentado contra a moral e os bons costumes. Segundo os inimigos da literatura conectada com o real, a possibilidade de sexo extraconjugal nunca deveria ser enunciada ou anunciada. No melhor espírito “roupa suja se lava em casa”, a única opção válida é fechar os olhos e esperar a tempestade passar.

Pai-Nosso Computador foi o primeiro romance fora dos universos propostos pela ficção científica a tratar a informática como algo digno de atenção. Obviamente, Updike temperou a narrativa com inúmeras questões religiosas, diversas traições amorosas, discussões sociais e conflitos geracionais. A bagunça de sempre.

Ao mesmo tempo, ele era um escritor que não tinha medo de trilhar os velhos caminhos. Tentou a biografia ficcional em Busca o Meu Rosto. Não foi feliz ao retratar a vida de Jackson Pollock. Faltou (ou sobrou) compreensão da densidade contextual. Em Gertrudes e Cláudio desmonta o mito de Hamlet (assim como Tom Stoppard fez em Rosecrantz e Guilderstern estão mortos) para o reconstruir em figuras secundárias do teatro shakespeareano. O casamento da mãe com o tio se mostra mais complicado do que intrigas palacianas, desejos sufocados e paranóia. Ou seja, Updike focalizou a infidelidade e o regicídio na ótica oportunista, e menos emocional, de Gertrudes e Cláudio. A epistolografia de S recria, com grande força, um dos clássicos da literatura estadunidense: A Letra Escarlate (Nathaniel Hawthorne).

A cidade pequena, a luta pelos pequenos poderes, a dissolução amorosa e a inveja são temas que ele manejava com maestria. Principalmente quando os conseguia conjugar em uma única narrativa. Romances como Um Mês Só de Domingos, Sabá das Feiticeiras e Cidadezinhas retratam ambientes hostis, onde o desencontro afetivo está presente em cada página, em cada parágrafo. Mas, ao contrário das esquisitices de John Irving ou das banalidades burguesas de Sinclair Lewis e John Cheever, Updike gostava de traçar uma rota que beirava o trágico e sempre conduzia para o humor. As questões morais propostas por alguns de seus personagens são patéticas, ridículas, hilárias. E mesmo assim fornecem estrutura para que a dramaturgia do adultério e da mesquinharia se projete como narrativa épica. Raros são os escritores que conseguem realizar essa façanha.

Updike também dominava o ensaio literário e as histórias curtas. Enquanto analisa (com grandeza poética e sagacidade intelectual) alguns de seus escritores favoritos (Nathaniel Hawthorne, Herman Melville, Walt Whitman, Vladimir Nabokov, Roland Barthes) em Bem Perto da Costa, ninguém consegue negar que há um tesouro escondido nas coletâneas Confie em Mim, Uma Outra Vida e Coelho se Cala e Outras Histórias.

Por fim, quem quiser conhecer um pouco (muito pouco) da vida do escritor nascido em Shillington (Pensilvânia), descendente de holandeses e alemães e que publicou mais de 60 livros (inclusive poesia), precisa ler Consciência à Flor da Pele. Ao saber que alguém estava reunindo material para escrever uma biografia, Updike se adiantou ao aventureiro e forneceu uma divertida versão da própria história. Como uma criança possessiva, não quis deixar os seus brinquedos nas mãos de estranhos.

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