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sexta-feira, 2 de março de 2012

MEDIANERAS

Todas as histórias de amor precisam abrir janelas para o entendimento – que é uma forma de perceber que existe luz do outro lado da parede. Mariana e Martin moram na mesma quadra, mas em edifícios diferentes. Em alguns momentos, freqüentam os mesmos ambientes. Mas, como se fosse uma maldição − ou falta de sorte −, desenvolveram uma forma muito particular de desencontro.

Abandono e solidão. Ele se separou do mundo dentro de um apartamento minúsculo (Av. Santa Fé, 1105, quarto andar, apartamento H). Trabalha como webdesigner. Windows é a ferramenta que o aproxima do mundo concreto. A namorada o deixou, foi procurar pela felicidade no norte da América. Uma cachorrinha, Susú, ficou para trás. Ele adotou o animal, na vã esperança de que a dona volte para resgatar os dois. Depois de algum tempo remoendo o isolamento, obteve alguma vantagem dessa situação patética. Na falta de amor verdadeiro, cultivou um micro−romance. A mulher que trabalhava levando os cães alheios para passear o ajudou a diminuir a carência. Ele gostou da aventura e quase fez um daqueles pedidos que provavelmente o carregaria para dentro de outro turbilhão de infelicidade.

Fragilidade e solidão. O lugar onde ela mora é um pouco maior (Av. Santa Fé, 1183, oitavo andar, apartamento G). Isso não tem a menor importância. Ela é arquiteta e, por total incompatibilidade com a profissão e a vida, trabalha como vitrinista. Seus relacionamentos mais duradouros são com os manequins que veste e posiciona nas vitrines das lojas. Depois de quatro anos de união conjugal, descobriu que estava dormindo com o homem errado. Simples assim − apesar da dor (emocional, psicológica, física). A vida tem desses descompassos, raramente conseguimos fechar esses buracos que nós mesmos escavamos dentro do coração. Nas horas vagas, gosta de brinca com o livro Onde está Wally? Apesar do esforço, não consegue encontrar a figura escondida.

Os quatro minutos iniciais do filme mostram a geografia urbana. Os edifícios (mistura insensata de aço, concreto e vidro) parecem recipientes destinados a encaixotar as emoções. Uma ironia sutil. A cidade se chama Buenos Aires e os seus habitantes sentem falta de oxigênio. Onde há tristeza não há calor humano.

A internet me aproximou do mundo, mas me distanciou da vida, comenta Martin, em um desses momentos de auto−crítica que costumam ser freqüentes nos que vivem sozinhos. Então me pergunto: se mesmo sabendo quem eu procuro não consigo achar, como vou achar quem eu procuro se não sei quem é?, argumenta Mariana, em crise típica de quem se sente aprisionada entre quatro paredes.

Efeito espelho. Ele se matriculou diversas vezes na natação, mas nunca compareceu. Ela conhece um sujeito na piscina. Não foi bom. Os dois fumam (ela um pouco mais do que ele), enquanto escutam True Love Will Find You in the End – voz de Daniel Johnston. Alimentam – com carinho e afeto − diversas fobias (ela não consegue andar de elevador, ele tem medo de aglomerações humanas). Assistem, simultaneamente, Manhattan (Woody Allen, 1979). Ao entenderem que as portas para a vida social estavam fechadas para eles, mandam abrir janelas em paredes cegas – e, pela primeira vez, percebem um ao outro. Depois, se encontram em uma dessas páginas da Internet para solitários. Seguindo as regras dos encontros virtuais, escrevem algumas trivialidades. Ela fica entediada. Ele, ansioso.

Não é por acaso que a primeira vez que eles se encontram pessoalmente, a voz de um iluminando a vida do outro, é no escuro. Faltou luz uma noite e eles saíram dos apartamentos para comprar velas. Há um primeiro toque, acidental, obviamente, mas pareceu que havia eletricidade no ar.

Em uma manhã, como se fosse a cena final de um conto de fadas, ela olha pela janela e vê Wally. Ou melhor, Martin – que está vestindo uma camiseta igual a do personagem perdido na multidão. Sem conter a excitação, desce de elevador. Ele está aguardando. Ou melhor, guardando o amor que quer repartir com Mariana.


Medianeras (Dir. Gustavo Taretto, 2011), com Pilar López de Ayala e Javer Drolas.

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