Minha relação com o cinema brasileiro oscila entre o amor e o ódio. As estatísticas revelam que o ódio está ganhando de goleada. E, infelizmente, se levarmos em consideração os filmes que estão sendo produzidos atualmente no Brasil, esses números não devem mudar. Talvez porque – para repetir um velho clichê – não fazem mais filmes como antigamente. Aliás, nem os cineastas são aqueles de outrora. Em lugar das palavras de ordem, uma câmera na mão e uma idéia na cabeça, todos querem dinheiro. De preferência, muito dinheiro. O resultado dessa inversão de propósitos resultou nos inúmeros episódios em que cineastas acima de qualquer suspeita precisaram responder perguntas indigestas em delegacias de policia.
Em outro momento, a idéia era popularizar o cinema. Para isso bastava projetor de 16 mm e lençol branco estendido em parede. Normalmente, o milagre do cinema se realizava em associações de moradores. Muita gente sentada no chão, garrafas de laranjinha passando de mão em mão, o olhar atento, hipnotizado pela tela improvisada.
Nem tudo foi fácil,... não era possível prever alguns probleminhas. A Kombi que transportava o material costumava quebrar no meio do caminho. Então, os atrasos eram freqüentes, a vida era mais complicada e, claro, mais divertida. A correia do projetor sentia incomensurável prazer em romper exatamente na parte mais emocionante do filme. A troca era rápida, entre vaias e assobios, cinco minutos de intervalo. Depois da exibição do filme, lanche no boteco da esquina: sanduíche de mortadela e cerveja quente. Muitas vezes, alguns espectadores acompanhavam essa aventura gastronômica, a conversa sem fim sobre o filme da semana.
O maior clássico dessa temporada? Essa é fácil: Estrada da Vida (Dir. Nelson Pereira dos Santos 1979). Assisti mais de trinta exibições, o publico cantando as canções, uma emoção que não tinha (não tem) preço.
O Assalto ao Trem Pagador (Dir. Roberto Farias, 1962), O Caso dos Irmãos Naves (Dir. Luís Sérgio Person, 1967) e Bete Balanço (Dir. Lael Rodrigues, 1984) foram outros momentos significativos dessa aventura, reprise um pouco mais dolorosa do que aquela que foi retratada em Cinema, Aspirina e Urubus (Dir. Marcelo Gomes, 2004).
O projeto desapareceu em uma dessas transições políticas que assolam os municípios de quatro em quatro anos. Dizem que a democracia é isso, tenho minhas dúvidas.
Se não deu certo, cabe tentar outra direção. O Cine Clube Glauber Rocha fez história (embora poucos recordem desses momentos heróicos). Em conjunto com o SESC, duas mostras imensas, intensas, foram promovidas. Cada uma com mais de dez noites de cinema. Na sala do Cine Marrocos, o publico assistiu toda a filmografia de Humberto Mauro. Os fotogramas em preto e branco invadindo a tela grande, dando sentido e direção ao entusiasmo. Alguns espectadores dormiram − era inevitável. Ou melhor, inevitável era o deslocamento de algum integrante da diretoria, tentando fazer o mínimo possível de barulho. Diante do dorminhoco, um leve toque no ombro e a recomendação de que deveria ir dormir em casa. Lá, provavelmente, era mais confortável.
A mostra Glauber Rocha teve outro tom, outro público, vários filmes foram aplaudidos por vários minutos. Paulo Ramos Derengoski fez discurso, lembrou histórias protagonizadas em faculdades, redações de jornais e bares do Rio de Janeiro. Transportou−nos para um tempo em que Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), Terra em Transe (1967) e Cabeças Cortadas (1970) foram acontecimentos culturais, sociais e políticos.
Por alguma razão, dessas que são difíceis de explicar, o Cine Clube também se desfez na poeira do tempo. Foram todos cuidar da vida pessoal, as urgências da sobrevivência dando as cartas, mostrando quem nasceu para protagonizar perdedor.
Contemporaneamente, os cadernos culturais anunciam que os tempos de glória do cinema nacional estão de volta. E fatalmente ilustram a matéria com a fotografia de um desses canastrões que se prostituem em alguma novela. É ridículo.
Em todo caso, nem tudo está perdido.
Talvez seja possível, algum dia, reavivar o projeto de cinema nos bairros. Certamente iríamos assistir filmes como O ano em que meus pais saíram de férias (Dir. Cao Hamburguer, 2006), Antes que o mundo acabe (Dir. Ana Luiza Azevedo, 2009), 5 x Favela - agora por nós mesmos (Dir. Manaíra Carneiro e Wawá Novais, Rodrigo Felha e Cacau Amaral, Luciano Vidigal, Cadu Barcelos, Luciana Bezerra, 2010), Desenrola (Dir. Rosane Svartman, 2011), As melhores coisas do mundo (Dir. Lais Bodanzky, 2010), Eu e o meu guarda−chuva (Dir. Toni Vanzolini, 2010), entre outros.
Talvez seja possível, um dia, sonhar com uma semana só de cinema.
Olá, Raul.
ResponderExcluirRealmente seu blog é muito interessante, compartilho muito dessas "quinquilharias".Sobre o cinema, queria fazer umas sugestão... Uma postagem sobre Mário Peixoto, principalmente sobre o filme Limite, obra referencial na nossa cinematografia.
Abraços.
Srta. G:
ResponderExcluirObrigado pelo comentário. "Limite" está na pauta. Vai demorar um pouquinho. Mas vai aparecer.