O júri do prêmio Camões de 2012 (Rosa Martelo, Abel Barros Baptista, Ana Paula Tavares, João Paulo Borges Coelho, Alcir Pécora, Silviano Santiago) decidiu premiar Dalton Trevisan, popularmente conhecido no mundo literário como o Vampiro de Curitiba.
Os míseros 100 mil euros (cerca de 260 mil reais) não serão suficientes para adquirir um castelo em ruínas na Transilvânia, mas provavelmente permitirão que o genial e genioso escritor compre alguns quilos de chocolate belga − reconhecidos internacionalmente como melhores do que os suíços (que parecem ser os da preferência do escritor, conforme menciona o Miguel Sanches Neto naquele romance bem tolinho, Chá das Cinco com o Vampiro, típica reação de ex−aluno ingrato travestido de Édipo).
Segundo Francisco José Viegas, secretário de Estado de Cultura de Portugal, a decisão foi unânime, visto que Dalton Trevisan é o maior contista moderno do Brasil. Viegas, que escreveu vários romances policiais (inclusive o interessante Longe de Manaus), provavelmente não imaginou estar cometendo algum crime literário com essa declaração, no mínimo, discutível. Também não ignorou o fato de que Ruben Fonseca já ter sido contemplado com a honraria (e o dinheiro) alguns anos antes – o que, obviamente, coloca o ex−funcionário do DOPS na classe dos hors concours.
Diversos brasileiros foram contemplados com o prêmio (e o cheque): João Cabral de Melo Neto, Raquel de Queiróz, Jorge Amado, Antonio Candido, Autran Dourado, Rubem Fonseca, Lygia Fagundes Telles, João Ubaldo Ribeiro e Ferreira Gullar. É um time de primeira classe, embora não seja forte o suficiente para ganhar a Copa do Mundo. Segundo alguns comentaristas esportivos e repórteres de emissoras televisivas, em 2014 o bruxo Paulo Coelho vai arrebentar como centroavante – quem viver, verá!
Dalton Trevisan, que nasceu em Curitiba (PR), em 1925, guardadas as devidas proporções, idiossincrasias e esquisitices, adora brincar de esconde−esconde com leitores e jornalistas. Prefere viver em reclusão, tanto que são raros os que conhecem o número do seu telefone. Detesta visitas. Quando quer encontrar alguém, combina algum lugar público – onde acredita passar despercebido. Provavelmente obtém prazer em fingir que é algum genérico do Jerome David Salinger ou do Thomas Pynchon.
Formado em direito, trabalhou durante algum tempo na fábrica da família. Lá sofreu um grave acidente. Dessa experiência sobraram duas lembranças pavorosas: um mês de hospital e a sensação de estar próximo da morte. Foi o impulso necessário para transformar o horror em estímulo.
Escrever tornou−se a prova inequívoca desse auto−engano. Embora, alguns anos depois, Trevisan tenha voltado ao "normal" e renegado os primeiros livros. Na maior cara−de−pau, determinou Novelas Nada Exemplares (uma glosa do título usado por Miguel de Cervantes), publicado em 1959, como marco inicial de seu talento.
Depois da porteira arrombada, vários livros de sucessos: Cemitério de Elefantes (1964), Vampiro de Curitiba (1965), A Guerra Conjugal (1969), Abismo de Rosas (1976), Lincha Tarado (1980), Pico na Veia (2003), 99 Curruíras Nanicas (2002), O Anão e a Ninfeta (2011).
Todos esses livros de contos, além dos não mencionados, comprovam o talento e a qualidade de Dalton Trevisan. Seu único romance, A Polaquinha, foi publicado em 1985. Guerra Conjugal foi adaptado para o cinema (Dir. Joaquim Pedro de Andrade, 1975).
Foi um dos editores da revista Joaquim (1946-1948).
Os personagens de Dalton Trevisan, Joões e Marias, são seres famintos de sexo, amor, glória, tesão, ódio e violência. Ávidos para fugir do enfado e do tédio que corrói a vida medíocre que lhes coube por desígnio sócio−econômico convivem entre o grotesco e o sublime. Normalmente, são flagrados em momentos de intimidade. Embora tenham muitos nomes e personalidade, são uma só pessoa, uma só vítima, um só torturador. E enquanto não se confundem com a multidão urbana, vão retratando com poesia, humor e crueldade o que ocorre diariamente dentro das casas, nos quartos dos motéis vagabundos, nos becos sujos, nas praças escuras.
Nelsinho, o arquétipo desses monstros humanos, é branco, magro, de bigodinho aparado, bem vestido (paletó e gravata), aparentando ser um anjo de candura. Entre quatro paredes se transforma em um sádico, desses que fazem as delícias de qualquer narrativa psiquiátrica. Mestre na profanação, sempre está solicitando a proteção divina. Claro que isso não impede que alguma coisa saia errada e ele se transforme em vítima – o que não lhe causa (muito) desprazer.
Com o passar dos anos e dos livros publicados, o texto de Dalton Trevisan foi encolhendo, eliminando os adjetivos e ampliando o poder dos substantivos. Assim como o haicai economiza o verso para poder explorar as múltiplas facetas da síntese, Dalton Trevisan ampliou o significado e o significante de cada uma de suas narrativas.
Provavelmente só se sentirá feliz no dia em que obter a síntese perfeita; ou seja, publicar, depois de muito esforço técnico, uma página em branco.
As obras de Dalton me encanta. O vanpiro de curitiba, a polaquinha, e seus diversos contos. Merecido prêmio.
ResponderExcluirSou muito fã.
O vampiro brasileiro merece.
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