Páginas

terça-feira, 8 de maio de 2012

TUDO PELO PODER

Por diversos motivos − inclusive o poder anestésico do dinheiro − o cinema centrado no dever moral de ajudar (ou retratar) aqueles que se encontram em situação de risco quase desapareceu de cena. Enquanto as produções de Hollywood concentraram suas forças em comédias românticas e blockbusters, os festivais alternativos flexibilizaram os conceitos estéticos e políticos – em escandalosa guinada para a direita. Nenhuma surpresa. No afã de salvar a própria pele, o ativismo cultural perdeu força e se tornou inócuo e dispensável.

Tudo pelo Poder (The Ides of March. Dir. George Clooney, 2011), baseado na peça teatral Farragut North, de Beau Willimon, é uma exceção. Não é todo dia que o cinema belisca – com força − um nervo exposto do sistema de representação política, essa farsa que os cientistas políticos, na falta de um palavrão mais efetivo, chamam de democracia.

O filme descreve as ambivalências que sustentam os bastidores de uma campanha presidencial estadunidense. As lentes das câmeras se concentram naquele momento especial em que a intensidade da luta intestina pelo comando político costuma esquecer os compromissos éticos. Dito de outra forma, a tirania e a mentira são ferramentas a serviço da ambição. Golpes baixos, conspirações, demagogia, chantagem, fofocas, brigas entre assessores − esses são alguns dos ingredientes do horror.

Ao mesmo tempo, a trama revela − com a precisão didática somente possível na ficção − que a moeda corrente da política é a traição. E que, no mundo político, os amadores e os ingênuos costumam ser esmagados como insetos pelas botas do poder.

Stephen Myers (Ryan Gosling) trabalha na campanha do governador Mike Morris (George Clooney), pré−candidato democrata ao governo federal. Stephen acredita na "causa". Mais do que isso, está convicto que os ideais dos democratas são moralmente superiores aos interesses capitalistas dos republicanos. Por isso, não poupa energia para ajudar na transformação social, na mudança política. Esse esforço simplório, sem muita sustentação prática, resulta em erro crucial: esquecer que os ídolos são feitos de barro. No momento em que Stephen percebe o que está escondido por baixo da superfície, não consegue agüentar o choque traumático. Quase perde a razão. Felizmente, emerge da tempestade mais sábio, mais cínico.

A trama se completa com as duas figuras que gravitam no entorno eleitoral. Paul Zara (Philip Seymour Hoffman) e Tom Duffy (Paul Giamatti), assessores políticos de dois dos principais candidatos, alternam lances arriscados em complicada partida de xadrez político. Metaforicamente, rios de sangue escorrem pelo tabuleiro.

Uma história secundária, puro clichê político, dessas que envolvem políticos casados e sedução de estagiárias, conduz o filme ao nível critico. Confrontado por Stephen Myers, que exige que Paul Zara seja despedido, o Governador Mike Morris pergunta:
 − Por que eu faria isso?
A concisão da resposta é uma lição de história política contemporânea:
− Porque você quebrou a única regra da política. Quer ser presidente? Pode começar uma guerra, mentir, trapacear, levar o país à bancarrota, mas não pode transar com as estagiárias.

Como todo idealista, Stephen exige limites para aqueles que determinam os limites. Mesmo sabendo que foi corrompido nesse percurso emocional, ele não consegue se controlar e, como um herói de romance medieval de capa−e−espada, faz questão de tratar a honra como uma questão substantiva, que deve ser colocada em um altar. O que ele não percebe (ou não quer entender) é que esse local de culto religioso não existe mais.

P.S: Para quem se interessa pelo tema, um plus é a leitura do romance Cores Primárias, de Joe Klein (jornalista da Newsweek e que publicou o livro sob um pseudônimo clássico: Anônimo).

Nenhum comentário:

Postar um comentário