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segunda-feira, 21 de maio de 2012

NÊMESIS, UM ROMANCE DE PHILP ROTH

Discutir com os deuses nunca foi boa idéia. Vingativos, coléricos e insensatos – a soma dessas qualidades humanas significa que eles costumam reagir violentamente toda vez que se sentem ofendidos. Qualquer atitude que vá em direção contrária aos seus desígnios necessita ser ponderada, analisada como se fosse lance decisivo em partida de xadrez. O mínimo descuido resulta em condenação individual ou em graves consequências coletivas.

Philip Roth talvez seja o escritor mais importante da atualidade – apesar do prêmio Nobel o ignorar ano após ano. Preocupado em apenas contar boas histórias, dessas que misturam enredos verossímeis e questões essenciais, Roth, aos 79 anos, ainda continua na ativa, produzindo livros interessantes e criativos.

Uma de suas últimas produções, a fábula Nêmesis, foi composta por diversos elementos cruzados, mas – de uma forma ou de outra – se concentra na morte, tema que Roth, de forma obsessiva, também desenvolveu em seus últimos livros: O Animal Agonizante (2001), Homem Comum (2006), O Fantasma Sai de Cena (2007), Indignação (2008), Humilhação (2010).

O narrador, Arnold Arnie Mesnikoff (que somente se identifica na página 80 e tinha 12 anos na época retratada) conta para os leitores uma história de queda moral. No ano de 1944, parte da costa leste de Estados Unidos foi vítima de grave epidemia de poliomielite. Eugene Bucky Cantor, 23 anos, deveria estar na Europa combatendo as forças alemãs. Deveria. Ele foi rejeitado pelo exército por causa de forte miopia. Professor de educação física, promove atividades esportivas durante as férias de verão no pátio de recreio da South Side High School, em Newark, New Jersey. Aos poucos, assiste os seus melhores alunos serem devorados por uma doença cruel, para qual não havia (na época) cura. Os que sobreviviam precisavam conviver com graves sequelas físicas.

Bucky é namorado de Marcia, filha do médico Steinberg. Naquele período do ano, ela estava trabalhando em um acampamento juvenil nas montanhas Poconos, na Pensilvânia, área livre da doença. Ao telefone, Marcia sugere que Cantor substitua um dos monitores, que havia sido convocado pelo Exército. Eis o dilema. Abandonar os seus alunos do pátio de recreio ou ficar até o fim, solidarizando-se com os menos afortunados. Diversos motivos concorrem para resolver a questão. Os dois mais importantes são sexo e teologia. Apaixonado por Marcia, Bucky não se mostra forte o suficiente para resistir à imagem idealizada pelas delícias da vida a dois. Ao mesmo tempo, se deixa consumir pelo rancor e pela impotência da crueldade divina. O narrador sintetiza a questão de forma eficiente: Algumas pessoas têm sorte, outras não. Toda biografia é uma questão de chance e, a partir do momento da concepção, a sorte – a tirania da contingência – comanda tudo. acredito que era isso que o sr. Cantor se referia ao condenar o que chamava de Deus.

Mesmo sabendo que estava agindo errado, Bucky aceita o novo emprego e foge para longe da epidemia de pólio. Nas montanhas, em meio a grave crise existencial, onde valores e sentimentos são discutidos internamente até a exaustão, Bucky demora para decidir se deve ficar ali ou regressar para os seus alunos. Enquanto insiste nesse ritual de autoflagelação, recebe a notícia de que todas as atividades sociais coletivas foram proibidas em Newark. Não há mais alternativa. Não há mais porque voltar. A sua vida foi destruída pela nêmesis (situação negativa que ocorre depois de um período particularmente favorável, como ato de justiça compensatória).

O primeiro caso de poliomielite do acampamento (um dos monitores, Donald Kaplow, 17 anos), assim como castelo de cartas que desmorona, anuncia novas vítimas da doença – inclusive uma das irmãs de Marcia. As atividades são canceladas, as crianças enviadas para casa, o desespero toma conta de todos.

Bucky descobre que está doente e que provavelmente foi ele o vetor de contaminação para o acampamento. Se tivesse ficado em Newark, o acampamento não teria sido afetado pela doença.

O resto da narrativa está diluída em autocomiseração, vidas desperdiçadas, o horror de sobreviver à agonia. Acompanha tanto sofrimento a sensação de que Deus desconhece o perdão.

Na cena final, em 1971, o encontro nostálgico entre o narrador e Bucky, vinte e sete anos depois da tragédia. Sobrou pouco para ser comentado e nada para ser comemorado. Bucky é um farrapo humano, paralisado em parte do lado esquerdo (braço, mão), usando suporte para o perna esquerda e prestes a voltar a usar cadeira de rodas. Arnie caminha com dificuldades, utilizando suporte para as duas pernas, além de bengala. Parecem sobreviventes de guerra – o que, guardadas as devidas proporções, eles são.

Enquanto Arnie constituiu família, dois filhos, Bucky consumia os seus dias com autocomiseração: ele projetava uma aura de fracasso inerradicável ao falar sobre tudo que mantivera em silencio durante anos, não apenas aleijado fisicamente pela poliomielite, porém ainda mais desmoralizado por uma vergonha permanente.

Toda a dor de querer alcançar a salvação está expressa no rancor trágico: "Deus matou minha mãe no parto. Deus me deu um ladrão como pai. Quando eu tinha pouco mais de vinte anos, Deus me deu a poliomielite, que transmiti a pelo menos uma dúzia de crianças, talvez mais – incluindo a irmã de Marcia e muito provavelmente você. Incluindo Donald Kaplow. Ele morreu num pulmão de aço no hospital de Stroudsburg em agosto de 1944. Devo estar muito amargo? Me diga você." Afirmou isso de modo cáustico, no mesmo tom em que proclamava que o Deus de Marcia um dia a trairia e enfiaria um punhal também em suas costas.

2 comentários:

  1. Também considero Philip Roth um grande escritor.

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    1. Tiago: Obrigado pelo comentário. Abraços!
      P.S.: Também comentei outro texto do Roth in http://raulealiteratura.blogspot.com.br/2012/05/filho-diante-da-morte-do-pai.html

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