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segunda-feira, 16 de julho de 2012

A SEPARAÇÃO – UM OLHAR SOBRE O DESMORONAMENTO FAMILIAR

Há quem defenda a idéia de que – provavelmente − o cinema iraniano é o último sopro de criatividade em uma forma de representação artística desgastada pela irracionalidade capitalista. Difícil concordar, difícil discordar – embora a beleza proposta pelo olhar iraniano sobre alguns temas não seja parâmetro para colocar em xeque as ruínas que caracterizam o Ocidente contemporâneo. Apesar disso, ou talvez por isso, não é acidente que esse passeio pelo Oriente sirva como uma espécie de renascimento para quem quer fugir das fórmulas gastas do cinema hollywoodiano.

A Separação (Jodaeiye Nader az Simin. Dir. Asghar Farhadi, 2011), filme vendedor do Oscar na categoria Melhor Filme Estrangeiro, narra a história quase kafkaniana de um rompimento familiar. Depois de 14 anos de casamento, Simin (Leila Hatami), a esposa, quer migrar para o exterior. Nader Lavasani (Peyman Maadi), o marido, prefere ficar no Irã. Alega, entre outros motivos, a necessidade de acompanhar os últimos dias de seu pai – que está com grau bastante avançado de Alzheimer.

No meio desse impasse está Termeh (Sarina Farhadi), a filha do casal, 11 anos. Quando a mãe sai de casa, a menina decide ficar com o pai – provavelmente imaginando que os adultos, em algum momento, resolverão o conflito. No seu entendimento, isso significa que tudo voltará a ser como antes. Esse raciocínio se desintegra rapidamente, pois aquilo que é perdido (objeto ou sentimento) só pode ser recuperado como diferença, como fratura.

Comprovando que existem momentos em que, por diversos motivos, a atitude mais fácil é fechar os olhos para o perigo, Razieh Asneqi (Sareh Bayat), que está grávida de cinco meses, aceita o emprego de acompanhante do velho. A necessidade de ganhar algum dinheiro se mostra mais forte do que os impedimentos religiosos e sociais. Cuidar de um doente com Alzheimer é trabalho pesado, mal remunerado, difícil de ser realizado. No caso de Razieh ainda mais árduo, pois ela também precisa tomar conta de sua filha pequena, Somayeh (Kimia Hosseini).

Um dia, ao voltar mais cedo para casa, Nader encontra seu pai sozinho no apartamento, amarrado na cama. Quando Razieh e a filha reaparecem, Nader, transtornado, despede a mulher. Segue−se uma discussão horrível, dessas em que a razão não está com nenhuma das partes. Nader empurra Razieh, ela cai da escada e acaba em um hospital, onde aborta.

Hodjat (Shahab Hosseini), o marido de Razieh, é um homem instável emocionalmente. Além disso, está desempregado e falido. O tribunal se transforma em campo de batalha. Acusado de assassinato, Nader é preso. Liberto sob fiança, descontente por estar no meio de tamanha complicação, inicia investigação sobre os acontecimentos que resultaram no aborto. Sob a ameaça de cumprir prisão por três anos, acoberta algumas pistas.

São esses elementos subtraídos de cena que despertam a atenção de Termeh. Ciente de que as leis propostas pelo Corão não atendem as complicações causadas pela espiral de loucura, a menina fica perplexa quando descobre que seu pai, sua mãe e o marido de Razieh estão manipulando as sutis diferenças que existem entre a verdade e a mentira.

Como se não bastasse, alguns dos momentos mais cruciais do andamento narrativo ocorrem fora do alcance das câmeras. São as confissões íntimas, as conversas especulativas, o somar disso com aquilo, que possibilitam o entendimento. E a frustração – como naquela troca de olhar entre Termeh e Somayeh, quase ao final do filme, quando Nader concorda em pagar uma indenização para Razieh e Hodjat.

Na cena final, Nader e Simin voltam ao tribunal. É hora da partilha, de saber quem ganhou a partida. Em jogo está a guarda de Termeh. O juiz pergunta para a garota se ela já tomou uma decisão. Ela responde que sim, mas não esclarece nada. O pai e a mãe saem da sala. No corredor, separados por uma porta de vidro entreaberta, aqueles que um dia moraram juntos, geraram uma filha, e se mostram leais ao pesadelo que escolheram encenar, olham um para o outro, cheios de medo − como se a vida fosse uma ferida que não cessa de sangrar.

Um comentário:

  1. Excelente texto, Raul!
    Expressa muito bem o conflito
    vivido por quem passa pela
    dolorosa experiência da deterioração
    de uma família, com todo o reboliço
    de emoções e razões, atitudes passionais
    e suas consequências agravantes.

    Vi através dele, muitos casos em que atuei
    no direito de família, por 13 anos.
    Muito bem colocado o drama.
    PARABÉNS!

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