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quinta-feira, 2 de agosto de 2012

GORE VIDAL (1925-2012)

Alguns fascistas estadunidenses louvaram a glória do Senhor – e os seus desígnios – quando se tornou pública a notícia de que Eugene Luther Gore Vidal, por conta de uma pneumonia, havia passado desta para uma melhor no dia 31 de julho – há sempre alívio quando a pedra no sapato deixa de incomodar os calos mais sensíveis.

Intelectual combativo, desses que acreditam que é necessário meter as mãos na merda para propor mudanças sociais, Gore Vidal tinha o (saudável) costume de escandalizar as almas mais sensíveis da sociedade estadunidense, principalmente aquelas que seguram, ao mesmo tempo, a Bíblia e a garrafa de Bourbon. Dono de uma língua ferina, que nunca poupou os que usam do poder para ganhar dinheiro, seja incentivando o belicismo colonialista, seja impondo um modelo democrático que passa a quilômetros de distância da Democracia, Gore Vidal durante muitos anos maltratou a ignorância (e a má-fé) de George Walker Bush e Richard (Dick) Bruce Cheney.

Escritor prolífero de romances históricos, ensaios, roteiros de cinema, peças de teatro e artigos jornalísticos, Gore Vidal gostava de abordar temas pouco convencionais. O clássico A Cidade e o Pilar (1948) causou escândalo. Poucos leitores estavam preparados para um debate honesto sobre a homossexualidade. Tanto que Orville Prescott, crítico literário do New York Times, se recusou a resenhar o livro, além de promover um boicote contra o escritor.

Em 1959, Gore Vidal foi um dos roteiristas do filme Ben-Hur. Parte dessa história, inclusive a discussão sobre ter incluído um subtexto gay entre os protagonistas, está no ensaio Quem faz o cinema – publicado em De Fato e de Ficção (a edição brasileira é de 1987).

Esse livro está repleto de excelentes ensaios, mas que perderam a importância diante do fervor que envolveu o mexerico homossexual. Nenhum problema: Gore Vidal adorava essas pequenas bobagens e se divertia com a ignorância humana.

Segundo alguns críticos, ele era melhor ensaísta do que romancista. Há controvérsias. De qualquer forma, romances históricos como Juliano (1964), Washington D. C. (1967), Burr (1973), 1876 (1976) e Lincoln (1984) são livros aceitáveis. Assim como a divertida (e estranha) crítica social Myra Breckinridge (1968). Criação (1981) foi reeditado, com acréscimos, em 2002.

Gore Vidal tentou, várias vezes, seguir a carreira política, mas, ao contrário de seu avô, o senador Thomas Pryor Gore, nunca conseguiu se eleger. Parte dessas histórias estão contadas no primeiro volume de suas memórias, Palimpsesto, publicado em 1995. A sequência, Navegação Ponto por Ponto, foi publicada em 2006.

Com seu companheiro, Howard Austen (que faleceu em 2003), Gore Vidal morou durante muitos anos em Ravello, Itália. Nos últimos anos, morava em Los Angeles, Califórnia.

Para os amigos e fãs, Gore Vidal era o protótipo do intelectual lúcido – e isso significa que foi amado e odiado com a mesma intensidade. Sua morte possibilita alívio para a direita reacionária. Mas, também é uma perda irremediável para o mundo civilizado.

Requiescat in Pace, poor bastard!

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