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segunda-feira, 19 de setembro de 2011

INTERLÚDIO


Adoro música. Infelizmente, ela não gosta de mim. Quer dizer... Há algum tipo de incompatibilidade entre nós. Mesmo assim, sinto prazer na melomania. Melomania é palavra antiga, dessas que foram aposentadas por falta de uso. Ou por ignorância. Significa, de forma genérica, paixão exagerada pela música.

Outra questão: sou músico frustrado. Ou melhor, sou frustrado. Porque nunca fui músico. Falta−me ritmo, talento e paciência. Não consigo sequer obter som aproveitável em caixa de fósforo.

Certa vez, comprei violão. A ideia era frequentar algum curso básico. Ambicionava aprender dois ou três acordes. Na pior das hipóteses, qualquer "dó−de−gavetão" bastava. Nunca me matriculei. O instrumento passou anos pendurado na parede, como se fosse objeto de decoração. Em determinado momento, as finanças ameaçando o colapso, o vendi – juntos foram vários discos, alguns livros e um pouco da esperança.

Manuel Bandeira − que certa vez escreveu Faço versos porque não sei fazer música – foi parceiro de Jayme Ovalle, Heitor Villa–Lobos, Camargo Guarnieri e Francisco Mignone em diversas composições. Tentei seguir a lição do mestre. Também nisso fracassei. Não nasci para exercer a melopéia, que é a arte de compor melodias. A exceção ocorreu quando um amigo me pediu ajuda. Escrevi meia dúzia de versos (em espanhol!). Nada muito criativo. Ele conseguiu realizar o milagre. Ficou bonito. Nossos nomes estão lá, no disco que foi gravado naquele festival de segunda classe.

No peito dos desafinados também bate um coração, canta João Gilberto, lembrando que o mundo está cheio de gente que não entende o básico do assunto. Também sobram corações partidos. Ou canções destinadas ao aliviar dores e temores. Basta sintonizar o rádio (ou acessar o youtube) para confirmar que o ritmo musical que melhor define a brasilidade é o bolero. A música brasileira é uma ilha: está cercada por todos os lados pelos praticantes das dores−de−corno. Essa coisa ruim, o sertanojo, segue o padrão.

Detesto barulho ao vivo. Dizem que é música ao vivo. Não é. Música precisa estar em sintonia com a acústica, com a qualidade da aparelhagem de som. Salvo raríssimas exceções, isso não acontece. Se puder evitar, não frequento bares ou restaurantes em que há exibições públicas desse triste espetáculo. Nunca entendi o raciocínio dos empresários que contratam um pobre coitado – ou vários – para se esgoelarem em cima de um palco. Na plateia, a clientela faz de conta que o ruído não está atrapalhando a conversa.

O mesmo vale para som ambiente. O dono da espelunca escolhe qualquer porcaria e resolve atormentar os clientes com aquela barulheira. E quando alguém faz um pedido para diminuir o volume, o mínimo de atenção que o solicitante recebe é um olhar de reprovação, como se o problema estivesse localizado naquele que está incomodado e não em quem incomoda!

Música de qualidade exige atenção e volume moderado. Ninguém chama a polícia porque você está escutando música clássica ou jazz. Em compensação, rock, funk, hip-hop e demais ritmos similares... Na contemporaneidade, poucos conseguem perceber que os vizinhos não são surdos. E que (olha que absurdo!) podem ter gosto musical diferente. Somente adolescentes com problema de carência afetiva é que procuram chamar a atenção erguendo o volume a níveis ensurdecedores. O dia a dia não deve ser transformado em competição de som automotivo.

Como gosto se discute, considero insuportáveis aqueles ritmos baianos que surgem de seis em seis meses para tentar enlouquecer o mundo. Péssima música não deveria ser sinônimo da alegria carnavalesca.

Música é uma forma de escrever/descrever o viver com sons. E, em algumas oportunidades, cada vez mais raras, consegue ser quase tão bonita como a vida.



Um comentário:

  1. "Só o paraíso ou o mar poderiam dispensar-me do recurso à música." (Cioran)

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