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terça-feira, 27 de setembro de 2011

MÁRCIO CAMARGO COSTA (1939 − 2011)


Márcio Camargo Costa nasceu em Florianópolis, mas foi no Planalto Catarinense que constituiu família, teve filhos. Nos Campos das Lajens foi agrônomo, professor e amigo. Na lonjura dos sertões escreveu centenas de contos, poemas e letras de música. Distante cerca de 800 km do mar, recriou (misturando história e ficção) um mundo idílico, onde os interesses políticos, "as mulheres ligeiras e os cavalos lentos" fornecem cor e sabor à construção literária. Entre a planície sem fim e as araucárias precisou ter forças para sobreviver ao rótulo redutor de regionalista – ciente de que isso significava a condenação eterna ao que escrevia.

Escritor de histórias curtas e poemas narrativos, dominava com grande técnica a arte literária. Ao ler as primeiras frases de seus textos, o leitor percebe a facilidade com que conseguia montar o cenário e a maneira com que o andamento narrativo induz rápida identificação com as personagens. O texto flui naturalmente, sem impedimentos, sem amarras.

Instrumentado pela ficção, articulando o imaginário e os acontecimentos históricos, traçou um retrato ácido e impiedoso da classe dirigente do Planalto Serrano de Santa Catarina, nos anos 40 e 50 do século passado: homens indolentes e ignorantes, que esbanjaram o patrimônio familiar com a prostituição. E fez isso com tal habilidade que parece estar compartilhando com o leitor o mais importante dos segredos.

Mestre na arte de contar "causos", entrelaçava suas narrativas com referências e alusões da alta cultura. Não é raro encontrar personagens dizendo frases inesperadas, citando algum clássico literário. Insights improváveis também são constantes. A erudição embaralhada com o chulo e o patético permite contrastes de rara qualidade. Para o leitor, essa é a melhor parte, seja porque sugere diversão, seja porque convida para outras leituras. E uma vez aberta a porta do esclarecimento, as gargalhadas se tornam incontroláveis.

O humor está presente em todos os seus textos. E serve de tempero (e têmpera) para explicar a experiência humana. Ao apontar o ridículo, o tragicômico e a falta de sensatez, tornou esses elementos a matéria−prima indispensável para gerar o encantamento somente possível na literatura.

Os seus contos caracterizam interessante exercício da resistência – mesmo que essa seja uma guerra perdida. Contra a globalização, sugere o regionalismo. Contra a linguagem científica, ataca com erros gramaticais e expressões quinhentistas. Contra o politicamente correto, relata os conflitos humanos resolvidos na ponta da adaga. Contra as conquistas espaciais, incentiva as cavalgadas pela planície.

De uma maneira muito particular, vivendo em um mundo de contradições, conflitos e situações mal resolvidas, Márcio Camargo Costa transformou a literatura no seu campo de batalha pessoal. Ciente que entre o regionalismo e a modernidade, o homem serrano pouco ou nada pode fazer para salvar a identidade que está a lhe escapar pelo meio dos dedos, aceitou a tarefa de tentar conciliar o presente com a carga dramática inscrita no passado. E cumpriu com esse propósito da melhor maneira possível.

Nos últimos anos pouco ou nada publicou. Mesmo assim, reclamando muito de certas "panelinhas", mantinha viva a chama literária. Pretendia escrever um romance sobre a cultura quíchua argentina (de que era admirador) e vários contos sobre os áureos tempos da "zona do meretrício". Provavelmente não teve tempo (ou paciência) para concluir esses projetos.

As coletâneas de contos O Gaudério de Cambajuva (1986), A Caudilha de Lages (1987) e Qüeras (1994), além do folheto Adeodato (um longo poema sobre um dos personagens mais emblemáticos da Guerra do Contestado, publicado em 1985), constituem a parte mais significativa da sua produção literária. O escritor também gravou, em edição limitada, uma coletânea musical: "Márcio Camargo Costa, composições".

Márcio Camargo Costa faleceu no dia 25 de setembro de 2011, em Lages, Santa Catarina.


3 comentários:

  1. Márcio Camargo Costa, uma descoberta que exige urgência. Preciso reparar essa falta. Obrigadso pela oportunidade.Para tanta leitura, tão curta a vida.
    Rafael.

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  2. Rafael: Ele nos fará falta! Era um escritor excepcional!

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    1. Obrigada Raul pela materia dedicada ao meu pai ele era uma pessoa incrivel , ainda temos muitos textos e poemas nao publicados que estao guardados esperando uma oportunidade de ser publicados!

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