quinta-feira, 22 de setembro de 2011
PAULO FRANCIS EM TRINTA CITAÇÕES
− Escrevo romances para me perpetuar, para ter fama, glória, dinheiro, amor, essas coisas comezinhas da vida.
− A ignorância é a maior multinacional do mundo.
− Não é a infidelidade, ou a separação, que azedam o amor. É a indiferença.
− Jornalismo é a segunda mais antiga profissão.
− Não levaria Ulisses para uma ilha deserta. Uma vez basta. Levaria Guerra e Paz, porque dá para ler todo ano. Levaria também O morro dos ventos uivantes e levaria Hamlet, porque diz tudo muito bonito.
− Simplicidade verbal não é sacrifício de complexidade.
− Meu desprezo pela humanidade nada tem de solene. É sadio e franco. Acho chato ouvir gente chata falar. Acho agradável todo tipo de pessoa que não pretende ser aquilo que não é. O orgânico, o verdadeiro, sempre encantam. A impostura é que me entedia.
− Acho Kafka mais difícil de ler do que Joyce.
− Minha conclusão, de resto antiga: os médicos permanecem precisamente no nível mental em que Molière os encontrou no século XVII, mais ralo que café americano servido nos botequins daqui.
− Meu talento, nessa terra de capachos, se manifesta contestando. Aparece fácil. Não há praticamente competição.
− Quem−o−que−quando−onde−como continua o abc do jornalismo. O fino trivial é bem servido se seguindo essa regra. É o que a maioria das pessoas quer. Notícias, escritas de maneira clara, com descrição específica do que possa interessar. Mas jornalismo cultural são outros quinhentos mil−réis. Requer expertise.
− As amizades mais profundas vêm desse sofrimento a dois, ou a três. Nunca dizemos nada de importante, mas criamos uma ponte emocional, subterrânea, com os amigos da infância, que, em geral, sobrevivem às intempéries e à corrosão do tempo.
− A aristocracia nunca usa eufemismos. A burguesia e pequena burguesia, sim, porque querem ser "finas".
− Poesia, em última análise, tem apenas a verdade que cria.
− As pessoas querem acreditar. O pessoal sempre triunfa sobre o racional.
− Leio mais de cem livros ao ano. Não digo que termino todos. Ao contrário, termino raros e pulo passagens que não me interessam em quase todos.
− Não posso acreditar que quem goste de rock seja animal vertebrado.
− Estamos sempre em guerra. Apenas não percebemos algumas...
− Greta Garbo era única, não há e nunca houve atriz de cinema que se lhe comparasse. O mais importante é que tinha um quê indefinível que fez dela a estrela absoluta do cinema durante duas décadas, uma qualidade na pessoa que mesmeriza o espectador. Garbo enchia uma tela e varria com quem contracenasse.
− Gênio é a capacidade de expressar as grandes emoções e sensações que não conscientizamos. O consumidor é a bela adormecida. O gênio, seu príncipe. Seu beijo, como o de Nietzsche, às vezes é mortal.
− É só ver [Kenneth] Branagh (em Henrique V, Henry V) discursar às tropas: We few, we happy few, we band of brothers, para se sentir com toda a força terrível o prazer que os homens derivam de se matarem uns aos outros. Minha impressão é que trinta ou quarenta anos de veadagem e feminismo não vão alterar esse impulso biológico guerreiro.
− Durante alguns anos fiz vista grossa às implausibilidades e desconversa das esquerdas. Até que achei que não era compatível com quem toma banho todo dia. Nunca apoiei governo algum. Acho que é um dever do jornalista adotar o moto dos anarquistas. Hay gobierno, soy contra. Adios.
− Tudo que James escreveu tem o sabor de invenção, de novidade, porque pouco sabia da vida real, solteirão virgem, protegido por uma renda que o tornava independente e deixava sua imaginação correr, criando literalmente um mundo novo em cada ficção. Henry James é um dos prazeres da vida.
− Tom [Jobim], brasileiríssimo, mas embebido em criança em compositores americanos (Cole Porter, Jerome Kern, Rodgers, Gershwin e Berlin), conseguiu criar uma música nacional simbiótica ao som que ouvíamos e víamos no cinema de Hollywood, nosso divertimento e fantasia de infância e adolescência. Melhor ainda, Tom não tinha agenda ideológica. Fez bem. Causas de hoje são o tédio de amanha. Tom é romântico, essencialmente. Enquanto houver uma menina ou menino inocentes no bestiário ideológico da guerra entre os sexos, sua música terá o apelo certo.
− Em As ligações perigosas, de Choderlos de Lacros, de 1782, na famosa carta 81, Merteuil conta a Valmont como aos quinze anos se casou sem querer e aprendeu a conviver com a rejeição e a gelatinosa moralidade do ser humano. É muito mais subversivo do que o marquês de Sade. Não acredita em nada e é capaz de tudo. Se diz, a Valmont, vingadora do meu sexo contra o seu. A beleza sinistra de suas maquinações, descrita na linguagem elegante de Lacros, foi o que levou Platão a condenar toda a arte, por sua falta de senso moral no êxtase dionisíaco que nos dá. A natureza humana, que tanto desprezam, acaba com eles. Valmont se apaixona por sua vítima. Não pode controlar o sentimento. Merteuil fica profundamente ofendida com a traição de seu companheiro. Casal maldito não pode ter sentimentos como os de Valmont. Ela o conduz à destruição, também, e morre bexiguenta, em ostracismo social. Flaubert e Proust seriam inimagináveis sem Lacros, de quem pouco se sabe que explique seu gênio, indecifrável.
− Sem dúvida, qualquer roupa ou acessório ajuda a compor deduções que fazemos sobre a pessoa. As gravatas, por exemplo, estão na linha de frente da personalidade.
− Fui olhar a Mona Lisa. Continua rindo, apesar de agora protegida por uma parede transparente à prova de balas e de loucos. Ela deve ter sido a precursora de Mae West, quando dizia: Come up and see me sometime.
− Ninguém diz nada contra Montaigne. É o único escritor dessa grandeza que escapa de contestação. Bom, é. O ensaio A apologia é insuperável como contestação da primazia da razão no ser humano. Talvez o que atraia no seu gênio é que rompeu com a tradição de Platão e Cícero de que filosofar é aprender a morrer, escrevendo que aprender a viver é o importante e a vida toda está contida no momento em que a vivemos. É moderníssimo.
− Vinicius [de Moraes], toda vida, carregou a descrença do jansenista das coisas do mundo. Seu único estado de graça era etílico.
− A morte deve ser como a anestesia geral. Estamos aqui um dia e de repente apagamos. That’s all, folks.
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