Daniel Piza morreu. Foi isso que descobri na manhã de 31 de dezembro. Ele tinha 41 anos e estava passando férias na casa de parentes em Gonçalves (MG). Sofreu um AVC (Acidente vascular cerebral).
Poucos sentirão sua falta. Que importância deve ser atribuída a um jornalista cultural? Nenhuma. Em um país de analfabetos, onde ler e pensar são considerados como perda de tempo, reunir as palavras "jornalismo" e "cultura" em uma mesma frase comprova o inesgotável poder humorístico da língua portuguesa. Esse momento de glória da última flor do Lácio, inculta e bela atinge o seu ápice nas redações dos jornais, lugar onde os interesses comerciais determinam o poder corrosivo da barbárie. Ninguém (com um mínimo de senso crítico) consegue suportar a quantidade de resenhas amorfas e releases laudatórios que são publicados diariamente em benefício da mediocridade alimentada pelos interesses capitalistas (e anti−iluministas) da indústria cultural.
Daniel morreu. Apesar da pouca idade, trabalhou em diversos lugares e publicou 17 livros. É bastante. Além de ter organizado uma importante coletânea de frases (Waaal – o Dicionário da Corte de Paulo Francis), publicou Questão de gosto, Aforismos sem Juízo e Jornalismo cultural. Como biografo escreveu sobre Ayrton Senna, Paulo Francis e Machado de Assis. Traduziu, entre outros autores, Henry James (A Arte da Ficção) e H.G. Wells (A Máquina do Tempo).
Daniel morreu e com essa perda o Brasil ficou sem um dos representantes de algo capaz de fazer a diferença no meio da turba bárbara: opinião. Nem sempre a mais correta ou a mais plausível. Isso não importa. Na linha dos mestres Paulo Francis, H. L. Mencken e George Bernard Shaw, melhor errar do que calar. Melhor estabelecer o debate do que engolir em seco os interesses escusos e escuros dos pára-quedistas culturais. Nenhum soldado da infantaria pensa em escapar incólume.
Daniel gostava de escrever. Literatura, cinema, música, dança, teatro, política, educação, tudo era motivo para uma nota, para um comentário. Entre a seta e o alvo, o percurso da flecha. Nada escapava de suas observações. Sem essas frescuras de separar isso daquilo, adorava futebol e sempre escrevia sobre o "ludopédio". Estava ciente de que a cultura popular nos salvará da subnutrição intelectual. Ao mesmo tempo, não se deixava abater pelo rebaixamento de um empreendimento comercial que somente se preocupa com os números relacionados com vendas maciças. E isso está comprovado em alguns de seus aforismos sem juízo: sínteses morais de um tempo que somente existe como ficção.
Como escreveu Paulo Francis a respeito de Anthony Burgess: O que vai fazer mais falta é o banquete, a alegria de sua personalidade, a coragem de explicar o mundo como é, impondo sua civilização pessoal ao que criticava.
Daniel morreu e, nestes Tristes tropiques, o show precisa continuar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário