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segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

UM ESTUDO SOBRE A TANATOFOBIA


O bom−humor como antídoto contra o medo da morte. Essa é uma das diversas sugestões defendidas pelo escritor inglês Julian Barnes, no texto autobiográfico Nada a temer, originalmente publicado em 2008.

Concordando com a tese de que escrever é visitar os mortos, pelo menos aqueles a quem a literatura paga tributos diariamente, o autor de Um toque de limão estabelece inúmeras ligações − algumas inusitadas − entre a precariedade da vida e a tanatofobia (o medo da morte). Ciente de que a literatura não deve ser entendida como profilaxia contra a morte, Julian Barnes evoca o pensamento de Gustave Flaubert, Mal nós entramos neste mundo e pedacinhos de nós começam a cair. Ou seja, a liturgia das células em decomposição muitas vezes se confunde com a possibilidade do fim da vida estar próximo, assustadoramente próximo.

Para aqueles que se preocupam com o prazo de validade da vida, a paranoia adora brincar de esconde−esconde com os fantasmas mais íntimos. E isso resulta no entendimento psíquico de que é verdadeira a hipótese de que a morte está pronta para surpreender a todos nós a qualquer instante. Talvez até esteja respirando atrás da porta, nesse instante. Como alerta Julian Barnes, o problema é de difícil resolução: Não é só olhar para a cova que é difícil, mas olhar para a vida. E para os que não resolveram algumas das questões essenciais da existência, a fuga surge como uma maneira de buscar o esquecimento dos problemas − sendo a mortalidade um dos momentos cruciais desse processo de negação.

Literatura e morte constituem uma dupla imbatível. Estão sempre juntas. Desde o Apocalipse bíblico até parte da literatura contemporânea. Ao lado, como um anjo adormecido, o medo causado pelo espectro da morte. O músico Dmitri Shostakovich lembrou que A ironia está em que, sob a influência desse medo, as pessoas criam poesia, prosa e música; isto é, fortalecer seus elos com os vivos e aumentar sua influência sobre eles.

Em clássicos literários como A divina comédia (Dante Alighieri), O diário do ano da peste (Daniel Defoe), A Peste (Albert Camus) e A montanha mágica (Thomas Mann), a possibilidade de extinção da vida constitui o tema principal. Personagens como Hans Castorp e Bernard Rieux são faces da mesma moeda. Enquanto o segundo arrisca a própria vida para salvar a de outros, o primeiro quer encontrar uma maneira de salvar a si mesmo. Entre os contemporâneos, não é possível esquecer as obras de Emil Cioran (Breviário da decomposição, Silogismos da amargura) e Susan Sontag (A doença como metáfora, AIDS como metáfora, A dor dos outros, o conto Assim vivemos agora). No Brasil, a poesia de Manuel Bandeira está toda impregnada pela proximidade com a indesejada das gentes. Em outros momentos, o enfoque é ficcional. As memórias póstumas de Quincas Borba (Machado de Assis) e A morte e a morte de Quincas Berro d’Água (Jorge Amado) querem esclarecer diversas questões que ficaram para trás.

Epitáfios, as últimas palavras, o que os familiares escrevem nas lápides e nos elogios fúnebres. São esses pequenos gestos de resistência humana que procuram preservar a memória daqueles que "foram embora". Mesmo naqueles momentos em que faltam as palavras para expressar a dor – e o alívio −, a morte está envolta em sentimentos muito complexos, individuais, particulares.

Unindo riso, tristeza e o saudável escárnio que acompanha os nativos das ilhas britânicas, Julian Barnes também se preocupa com a transitoriedade do existir. Provavelmente é esse o motivo que o faz atravessar as 252 páginas de Nada a temer contando casos familiares, mostrando o quanto as suas memórias diferem das de seu irmão filósofo ou tornando público o ressentimento contra a mãe que, depois de ler um de seus romances, disse: Um dos meus filhos escreve livros que consigo ler, mas não consigo entender, e o outro escreve livros que consigo entender, mas não consigo ler. Ela não entende a filosofia de Jonathan e abomina a ficção produzida por Julian.

Nada a temer é um livro comportado, mais uma conversa entre amigos do que uma análise exaustiva. Até porque não é esse o propósito. A literatura confessional impede que Barnes faça algo diferente do que o consagrou. É muito mais divertido relembrar algumas histórias literárias, os Diários (Journal) de Jules Renard à frente de várias centenas de mortos convocados a deporem em favor da vida. No fundo, a pretensão de Julian Barnes talvez seja a de invadir o território do irmão e filosofar sobre o tema. Será? Certamente não é a favor da morte que ele gasta tempo e reflexão. De qualquer forma, como escreveu Montaigne, citando Cícero, Filosofar não é outra coisa senão preparar−se para a morte.



P.S: Para quem tem interesse no entrecruzamento entre morte e literatura, não falta bibliografia. Cinco possibilidades: Mortes imaginárias (Michel Schneider), Morte em Veneza (Thomas Mann), Descanse em paz (Joyce Carol Oates), Vésperas (Adriana Lunardi), Memorial do fim (Haroldo Maranhão).

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