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quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

SIMONE CAMPOS NO SHOPPING


Sob/sobre a proteção do trocadilho bi−lingüístico, Simone Campos, aos 17 anos, escreveu uma dessas narrativas que, logo depois de seu lançamento, desaparecem de circulação. O motivo sério ou fútil, difícil de explicar ou entender, implica no surgimento de fenômeno relativamente comum: alguns amigos do/a autor/a e/ou críticos literários, na tentativa (muitas vezes in/útil) de garantir lugar na história literária para esse livro, por falta de palavra melhor, "Cult" (um conceito, por definição, discutível), passam a dedicar todos os esforços possíveis e imaginários para promover o objeto de suas paixões.

A primeira edição de No Shopping tem formato de livro de bolso, apenas 72 páginas. Na época de sua publicação, 2000, teve três tiragens e alguma badalação. Depois, caiu em suave esquecimento. Parece não requerer muito esforço na leitura. Parece. Felizmente, não é texto assim tão fácil. Há uma densidade muito bem elaborada, quase trabalho profissional. Quase. De qualquer forma, alguns/muitos/inúmeros leitores derrapam nas páginas que compõem a narrativa desconexa, ágil, confusa, bem escrita, tribal, criativa, cheia de reticências e reminiscências de um tempo que ainda não cumpriu com suas obrigações trágicas. Nos momentos mais ternos, aqueles que jamais serão eternos, o texto tenta e consegue brincar com a rima fornecida pela tradição literária. Nada muito profundo, o suficiente para cutucar algum rato de biblioteca precoce ou a pouca espessa camada cultural obtida nas aulas de literatura no segundo grau.

No Shopping, como qualquer narrativa pop que se preze, utiliza linguagem contemporânea, afiada pelo sub−texto, cortante em múltiplos sentidos, sentidos nos escorregões múltiplos dos personagens − em alguns casos, pré−anunciados; em outros descasos, pronunciados. Nos melhores momentos, saltam faíscas para todos os lados, o suficiente para começar um incêndio (sem duvida, criminoso).

Essa história será contada como me foi contada. Por essa menina. A memória jovem dela confunde os fatos. Prometo que às vezes eles vão soar confusos e dispersos, avisa a narradora, sem identificação, em alguns momentos indiferente aos acontecimentos, em outros emitindo opinião e posição/oposição sobre os fatos relatados. Em todas essas situações, procurando omitir que o grande segredo, aquele que vale um milhão de euros, não será entregue, logo de cara. A idéia é manter a tensão, o suspense, evitar que alguns leitores percebam que o cheque não tem fundo, não há saldo ou salvação que resolva a equação mal formulada pela vida, mimetizada pela literatura.

A história confusa que une − e separa − Délia, Juliana, Yuri, Victor e os demais personagens secundários é puro drama de adolescentes, composta pela ausência de substância e diversos equívocos.

Yuri ama Délia – que não sabe exatamente o que quer. Juliana ama Victor – que não ama ninguém. Juliana fica furiosa, ao suspeitar que, talvez, Délia tenha colocado as mãos (e outras partes do corpo) no corpo de Victor. Rompimento da amizade, com direito a gritos e escândalo. A velha cena heróica da luta pelo macho que não pertence a nenhuma das fêmeas. Enquanto isso, como se estivessem participando de novela diferente, Délia e Yuri, entre tapas e beijos, vão se acertando e errando, como convém aos casais que sentem tesão ou algo que talvez se aproxime do amor. Pelo menos, é isso o que sente o menino. Pelo mais, a menina quer salvar o menino do mundo das drogas, a erva maldita ou o pó brilhante que o solícito atendente da vídeo−locadora fornece aos clientes fiéis.

Obviamente, algumas das tramas paralelas não possuem a mínima importância, embora sirvam de pilar de sustentação para que a carpintaria narrativa não resulte em escombros. Situações similares se repetem nos filmes que Yuri e Délia assistem nos finais de tarde, no shopping. Será?

Personagem importante, o shopping, aparece e desaparece da narrativa. É o local em que as personagens estão amarradas e amordaçadas. Locus e objeto. Manipulado e manipulador. Espelho que reflete a crítica quase lúcida - em alguns momentos apenas o esperneio adolescente contra o consumo desenfreado: Sábado era dia sem descanso para os burgueses que vendem e para os que compram. Estes, indianamente perfilados, sofriam no estacionamento, nas cabines das lojas, na hora de pagar, arrastando−se pelo deserto refrigerado. Carregavam muitas sacolas e nenhuma culpa. Milhares de rostos cretinos formando uma estatística.

Ou, em versão mais divertida, esculacho a-pós-o-moderno, vale lembrar a cena protagonizada por Délia e Yuri:

A fome interminável do Shopping levou−os ao meio da praça, onde faziam sua escolha. Délia queria ir ao cibercafé. Yuri não. Achando−se conhecedor da raça, ele tentou até se amotinar. Bateu o pé. Mas aquela sereia sabia cantar para marinheiros nostálgicos, se preciso.
Ah! Que saudades da minha infância tecnológica!
Do meu XT de letras verdes
64 KB de RAM
Todos os meus árcade
Bad command or filename...
Dobrai a lingual, ó insensato!
Sei o que é WordStar 2.0!

Depois Yuri ficou sério. Murmurou:
− Você é cruel demais com os poetas.


Não de deve comprar emoções no shopping. Na confusão entre o descartável e o permanente, algumas coisas ficam para trás. A poesia é a menos importante. Mãos vazias, ilusões plenas, o leitor chega à última página, cheio de dúvidas. Talvez precise reler No Shopping – ciente de que existem respostas, mas que talvez esteja fazendo as perguntas erradas.


P.S: Além de No Shopping, Simone Campos publicou A Feia Noite (2006) e o romance “on-line” de ficção científica Penados y Rebeldes (2007). Alguns de seus contos podem ser encontrados nos livros Geração 90 – Os Transgressores (org. Nelson de Oliveira, 2003), 25 Mulheres que Estão Fazendo a Nova Literatura Brasileira (Org. Luiz Ruffato, 2004) e Entre nós (Org. Luiz Ruffato, 2007).

2 comentários:

  1. A apreciação de um livro tipo crítica, comentário, análise, de forma muito informal
    e inédita com muitos ecos, rimas e trocadilhos
    felizes do autor Raul de Arruda Filho, nos embaralha um pouco e nos remete p um conto
    do conto, tipo metaconto e nos oferece uma informação literária do que está acontecendo, do que se está publicando de forma leve. Eu recomendo e vou reler - Marlene Perez

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