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quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

SÍNDROME DE STENDHAL


Conta a lenda que Henri-Marie Beyle, alguns dias antes de completar 28 anos, em 1811, diante dos afrescos que estão na igreja de Santa Croce, em Florença, teve uma espécie de desfalecimento. Segundo o seu relato no livro Roma, Nápoles e Florença, publicado em 1817, ele atingiu o grau supremo de sensibilidade em que as “sugestões divinas” da arte se mesclam com a sensualidade apaixonada da emoção.

Intérpretes mais modernos desse episódio, utilizando-se das ferramentas teóricas fornecidas pela psicologia e pela psicanálise, dizem que (diante da beleza plástica das artes religiosas) o homem que alguns anos depois adotaria o pseudônimo de Stendhal, não conseguiu se conter e teve um orgasmo. E esse acontecimento atingiu tal força e potência que a perda da consciência foi resultado natural. Beyle, que naqueles tempos ainda não se chamava Stendhal, escreveu que Quando saí de Santa Croce, fui tomado de palpitações... A fonte da vida secou dentro de mim e caminhei com medo de cair no chão.

Se isso tem algum sentido, ou não, pouco importa, pois havendo divergência entre os acontecimentos e a lenda, a lenda ganha com vários corpos de vantagem. De qualquer forma, o futuro autor de dois dos mais importantes romances do século XIX, O vermelho e o negro (publicado em 1830) e A cartuxa de Parma (publicado em 1839), foi o primeiro caso da doença identificada em 1979 por um psiquiatra florentino. Segundo esse estudioso, as riquezas artísticas de Florença são responsáveis por mais de cem casos registrados de tonteiras e náuseas em locais onde estão expostas algumas das mais importantes obras-primas italianas. Diante dessa eventualidade, o guia Firenze Spettacolo listou alguns lugares que devem ser evitados pelos burgueses semi-letrados que são sensíveis ao ponto de serem tragado pela vertigem causada pela arte que jamais conseguirão imitar.

Os italianos são um caso raro na história humana. As pinturas, afrescos e esculturas criadas por Giotto, Michelangelo, Botticelli e Rafael, entre outros, são únicas.

Nenhum outro país consegue rivalizar com “a bota” em termos de qualidade artística. A França produziu pensadores e vinhos maravilhosos; Bélgica tem excelente chocolate; Suíça ficou famosa por canivetes e esconder dinheiro roubado; Espanha nos legou histórias de bravura; Alemanha nos mostrou o poder militar, iniciado com Bismarck e Von Clausewitz, além disso, eles produzem as melhores “Würst” do mundo.

Mas, os italianos... Bem, os italianos, antes de tudo, sempre procuraram se divertir. Muitas vezes, isso é necessário admitir, à custa dos outros. Mas, deixando de lado a megalomania dos Césares e as loucuras protagonizadas por Mussolini e Berlusconi (em muitos momentos, faces da mesma moeda), quem é que consegue resistir a aquelas refeições imensas, a aquele vinho rascante de trattoria, a aquelas ragazzas que enlouquecem olhares e produzem erupções vulcânicas?

Na Itália, cada igreja é um museu. Cada museu é um deslumbramento. Cada alumbramento, uma forma de conversar com Deus – se é que esse sujeito existe! Então, talvez o melhor a fazer seja as malas e ir desfalecer nos braços dessa mulher carinhosa (e possessiva) que se esparrama no Adriático e no Mediterrâneo.

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