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terça-feira, 3 de janeiro de 2012

SEXTA−FEIRA, SÁBADO, DOMINGO: UM ANO A MENOS, UM ANO A MAIS

Não fiz muito esforço para celebrar a mudança do calendário. Apenas deixei o tempo escorrer junto com a areia na ampulheta. Talvez essa seja uma imagem antiga, mas já faz tempo que não uso relógio (o celular é multifuncional) ou qualquer outro instrumento de medição cronológica. Além disso, perdi o interesse na passagem do tempo − para meu desespero, não estou ficando mais jovem a cada dia que passa.

Aproveitei a metade da tarde de sexta-feira para ir ao cinema. Durante duas horas, acompanhado por imenso pacote de pipocas e refrigerante, deixei Ethan Matthew Hunt salvar o mundo. Tarefa que ele cumpriu com alguma dificuldade, depois de destruir uma prisão russa, parte de um hotel em Dubai e uns quinze carros em Bombaim. Diante dessas imagens do mundo globalizado, anotei mentalmente que "já não fazem mais heróis como antigamente".

Depois dessa overdose de adrenalina artificial, só me restou passar a noite com Jane. Não a do Tarzan. Outra. Também não era a Jane Fonda. Ou a Jane Birkin. Ou a Jane Doe. Por mais que os meus sonhos impróprios para menores de 18 anos dissessem o contrário, não foi com nenhuma dessas deusas. Uma das tarefas a que me propus em 2011 era ler Mansfield Park e Persuasão, romances de Jane Austen. Quase falhei nesse desafio. O primeiro já havia devorado no meio do ano. Mas, o segundo... Nos estertores do ano que estava findando, encontrei uma edição de bolso. Comprei o livro e levei Anne Elliot para a cama. Foi bom. Apesar do puritanismo anglicano e da notória voracidade das personagens de Austen por casamento.

Depois de tamanho esforço noturno, dormi durante boa parte da manhã de sábado. O sol me chamou pra rua. Eu fui. Fui só. Almoço, vídeo−locadora, banca de jornais, supermercado − não ignorei nenhum dos penduricalhos da vida social, comercial e cultural dos burgueses semi−letrados. Voltei para casa, carregado de sacolas. Se tivesse lembrado alguma letra de samba, talvez espantasse os transeuntes com a minha voz de taquara rachada. Poupei a humanidade desse vexame.

No final da tarde, sinuca e cerveja − que isso é de lei. O placar não foi o esperado, mas como é de conhecimento amplo, geral e irrestrito, todos os jogos são caixinhas de surpresas (hoje ganha, amanhã perde, depois empata). Entre tacadas, risadas e algumas "ampolas de pão líquido" a vida seguiu o seu curso como uma super−modelo anoréxica na passarela׃ elegante e altiva.

Algumas horas depois, o evento−mor: na casa de minha mãe, enquanto foguetes explodiam lá fora, a gata tentava se esconder atrás dos móveis. Abrimos uma garrafa de espumante quase vagabundo e brindamos ao velho e ao novo ano. Foi isso. Nada demais.

Voltei para casa. Voltei para Jane. Mas... Álcool demais não faz bem para certas atividades. Incapaz de cumprir com minhas funções, depois de apagar a luz, virei para o lado e dormi − como freqüentemente acontece na vida de quem, digamos, bebeu além da conta.

No domingo, ressaca. Nada muito grave. Isotônicos e coca−cola ajudaram a resolver o problema. O CD da Esperanza Spalding, "tocando sem parar" também ajudou muito nesse período de transição. A tarde foi devorada com DVDs, sanduíches de queijo e salame, bolo de chocolate. Ah, também me redimi com Jane. Perdão, com Anne Elliot. E vibrei quando ela, finalmente, se acertou com o capitão Wentworth. Foi o desfecho perfeito para um final de semana banal.

Um comentário:

  1. A Odisséia de um Ulisses lageano. Faltou apenas alguma notícia sobre o filho e uma visita ao cemitério.
    Feliz ano novo.

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