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quinta-feira, 29 de março de 2012

HUMOR: A FALTA QUE CHICO E MILLÔR FARÃO

O Brasil está caminhando na direção da tristeza. Seguindo o destino dos dinossauros, os humoristas são animais em extinção. Amanhã ou depois, reduzidos a verbetes menores em minidicionários de literatura, indicarão tempos antigos, em que rir era o melhor remédio. Era. Não é mais. Provavelmente jamais voltará a ser. No circuito social onde se movem os que cultivam a falta de opinião, boas gargalhadas são consideradas inoportunas e inapropriadas. O politicamente correto destruiu o humor, castrou a criatividade.

Em menos de uma semana morreram dois humoristas: Chico Anysio e Millôr Fernandes. Provavelmente ambos os dous, como dizia Machado de Assis, estavam com o prazo de validade vencido. Assim como os produtos comerciais, a vida é finita. Depois de ficarem durante alguns anos expostos na vitrine das vaidades, as Parcas (ou a fiscalização sanitária) decretaram que a vida de Chico e Millôr já não possuía condições de consumo. Nada mais havia o que fazer. Ars longa vita brevis.

Chico era bom ator. Descendente direto dos menestréis medievais manejava com habilidade todos os truques necessários para narrar uma boa história. Contando com a colaboração de duas centenas de heterônimos, unindo carisma, cara−de−pau e physique du rôle, gostava de anunciar que o rei está nu e tem pau pequeno. O público, muitas vezes sem saber exatamente a razão, retribuía com toneladas de aplausos. Como todo centroavante, jogava para a torcida.

Millôr era vinho de outra casta, de outra safra. Sua área de atuação era mais cerebral, o meio−de−campo. Com olhar diferenciado, quando estava com a posse da bola, efetuava passes milimétricos, decisivos, desses que deixam o leitor desmarcado em condições de marcar gols improváveis. Impossível não sorrir para esses passes de mágica – que ele realizava com a leveza de quem respira ou bebe um copo de água.

Cada um deles era competente na sua especialidade. Mas... Estavam separados por abissal diferença. Enquanto Chico sempre esteve ligado à televisão (que é um veículo de comunicação conservador), Millôr espalhava artefatos subversivos ao redor do coro dos contentes. Ao lado de malucos de carteirinha como Tarso de Castro, Fortuna, Jaguar, Ziraldo, Flavio Rangel, Luiz Carlos Maciel, Henfil, Sergio Cabral, Paulo Francis, Ivan Lessa, Paulo Garcez, Martha Alencar, além de outros menos votados, fez parte da cópula, perdão, da cúpula do Pasquim, o tablóide menos comportado da história do jornalismo brasileiro. E entre outras medalhas, amargou cadeia na década de setenta do século XX. Obviamente, quarenta anos depois, isso é passado. Mais ou menos. As lembranças, como se fossem ondas do mar, vão e voltam – a vida é um eterno tsunami, como constata qualquer humorista de talento.

O poder das recordações é forte. Mais forte ainda é o poder da linguagem. O humor de qualidade costuma usar dos lugares−comuns para denunciar as injustiças e as agruras do mundo. Mas efetua esse gesto de rebeldia com habilidade, sem sugerir que está ofendendo. Ou melhor, ofende sem ser (muito) agressivo. Para que isso aconteça em bons termos constrói um vocabulário sutil, cheio de nuances, de bordões que podem ser empregados aqui e acolá, sempre diluindo o poder de impacto no agredido, que o maior prazer em uma piada está exatamente na pasmaceira da vítima.

Isso Chico Anysio e Millôr Fernandes sabiam fazer com maestria. Mas, de forma diferente. Assim como também é diferente o humor praticado pelos poucos sobreviventes da nobre arte: Aldir Blanc e Mário Prata. Depois deles só restará essa gente sem talento que confunde humor com grosseria nos shows de stand up da vida.

Chico e Millôr farão falta − esse é um daqueles elogios baratos que não economizamos quando perdemos alguém que nos é caro. Não há a mínima graça na morte.

2 comentários:

  1. Não há a minima graça na morte, mas ela certa para todos nós...a vida só está de passagem.A morte vem pra ficar, pelo menos neste tempo,nesta Terra, nesta vida...

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  2. E como eles farão falta.

    Adeus,mestres!

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