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sexta-feira, 4 de maio de 2012

UM ROMANCE RUIM É SUFICIENTE PARA MOSTRAR QUE A ÍNDIA É AQUI!

Nossa classe média tem uma crença arraigada na preservação do status quo. Ignorando a decadência dos padrões da vida pública, apática quanto à situação dos mais pobres, ela se deleita num consumismo desenfreado. Viramos um país de voyeurs, vidrados em novelas ridículas sobre sogras maquiavélicas e donas de casa sofredoras, vivendo da carcaça da desgraça alheia, salivando com o fim do casamento de uma celebridade, hipnotizados por imagens gravadas de políticos aceitando suborno.

Qualquer semelhança com algo conhecido não é mera coincidência. O romance policial Seis Suspeitos, escrito por Vikas Swarup, retrata a vida social e política da Índia, mas poderia, perfeitamente, descrever o Brasil. Nestes tempos sombrios em que governadores de Estado, senadores e deputados são suspeitos de cometerem "pequenos" equívocos, a Índia (assim como o Haiti) é aqui.

Seis Suspeitos, escrito pelo mesmo autor de Sua Resposta Vale um Bilhão (que resultou no filme Quem Quer Ser um Milionário?), é um texto hibrido, desses que oscilam entre a crítica social e o romance policial. Nessa última característica, procura imitar os estilos de Agatha Christie e P. G. Woodehouse. Ou seja, não passa de um texto de entretenimento diferenciado, desses que aparentam ter "conteúdo" – e que, em outras circunstâncias, passaria despercebido, pois não acrescenta algum elemento significativo ou inovador à teoria da literatura ou ao prazer de ler.

Cada capítulo está estruturado em diversos pontos de vista narrativos. Essa proposta dinâmica talvez tenha perdido parte de sua força na tradução, pois em muitos trechos não há como diferenciar o discurso e a linguagem dos personagens.

Seguindo a linhagem de alguns romances policiais, o mistério não é exatamente um mistério. O crime está descrito nas primeiras páginas. Logo em seguida, os principais suspeitos são identificados. Resta apenas saber quem cometeu o assassinato. O restante do texto (551 páginas) é mero blábláblá, a exposição dos motivos, para revelar que... O criminoso não é nenhum daqueles que foram incriminados.

Diante de tamanho desperdício de criatividade, o toque de Midas. Seis Suspeitos consegue descrever com grande vivacidade a vida sócio−política da Índia (país em que a corrupção e a violência eliminam quaisquer tentativas de produzir uma mudança estrutural significativa). Todos os políticos (ou funcionários públicos) retratados são inimigos da classe trabalhadora – pessoas que, sem muitos escrúpulos, trabalham em benefício próprio, manipulando orçamentos, falsificando concorrências, associando−se a empreiteiros, impedindo que ações modificadoras sejam implantadas nas áreas de educação, saúde e habitação. Enfim, nada que seja estranho ao leitor brasileiro.

Também não parece estranha a ausência de independência ou senso crítico das forças policiais − que se contentam em ser o braço armado da podridão estatal. Quando "o rigor da lei" falha, surge no horizonte os exércitos particulares (destinados a eliminar, a qualquer preço, todo e qualquer tipo de contestação ao poder dominante).

O leitor descobre o óbvio ao chegar à última página de Seis Suspeitos: horror é uma palavra sem sentido quando a população de um país está desprotegida, quando a canalha tomou de assalto o poder.

2 comentários:

  1. raul, traduzi esse livro e acabei me divertindo, mas você foi a primeira pessoa que eu vejo que realmente leu! sim, são uns acms piorados esses indianos do livro... abraço do alexandre

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  2. Obrigado pela leitura, Alexandre! Abraços!

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