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sexta-feira, 8 de abril de 2011

ALAIDE

Alaíde só usava homens de segunda mão.

Loura natural, alta, um par de pernas capaz de tirar o fôlego do mais obstinado dos monges budistas, curvas mais perigosas do que as da estrada de Santos, Alaíde era o sonho de consumo de todo garanhão pré−histórico. Um demônio em forma de anjo. Ou o contrário, que a ordem dos fatores, nesses casos, nunca fará a diferença.

A sua maior delícia era roubar namorados – não perdoava nem mesmo as amigas mais íntimas. Bastava saber que Beatriz estava interessada por Maiconsuel, que Maria estava "enrolando" Eduardo, que Patrícia queria noivar com Francisco, e um brilho voluptuoso se espalhava por seu rosto. Com determinação e o ardor de uma pantera, lançava sobre o inconfundível objeto do seu desejo uma rede de sedução. Resultado: em trinta segundos, Rogério estava em suas mãos, Dionatan também – citar Antônio é covardia, esse nunca teve forças para resistir a mísero suspiro de mulher.

Depois da conquista, Alaíde enlouquecia a vítima com as mais poderosas artimanhas amorosas. Munida de promessas inconfessáveis, amavios e truques que transformavam o Kama Sutra em conto de fadas, adorava brincar no parque de diversões sexuais que era o corpo dos homens. Com a ajuda de alguns brinquedinhos (algemas e chicotinhos, por exemplo), abateu muitos combatentes em menos de dez minutos.

Intento consumado, usando das prerrogativas do poder, Alaíde (que tratava os amantes como artigos prête−à−manger) não esperava pelo vencimento do prazo de validade do relacionamento amoroso. Na primeira oportunidade, despachava o trouxa da vez e partia para novo agarra−agarra.

Enfim, Alaíde representava um perigo para as relações amorosas do bairro.

Quem conseguia fisgar algum namorado também ganhava o sofrimento de, mais cedo ou mais tarde, perdê−lo para Alaíde. Por isso é que, nos finais de semana, havia uma debandada feminina na região. Com medo de algum pretendente mudar de interesses, as mulheres convidavam as vítimas, digo, os amorzinhos de suas vidas, para ir passear nos parques mais distantes – tudo muito longe dos locais que Alaíde freqüentava.

Esses artifícios nunca funcionavam. Dublê de predadora e pecadora, Alaíde tinha uma rede de informações muito superior a da polícia (o que não é nenhuma vantagem).

E nesse ritmo a vida ia se espichando, sem muitas novidades, até que... Alaíde colocou os olhos no homem mais... sei lá, a fantasia mais secreta de toda ninfomaníaca. Belo e charmoso como um personagem de propaganda de cigarro, Heleno estava no ponto do ônibus abraçado com Matilde (definitivamente uma das mulheres mais feias do planeta).

Medindo o rapaz de alto a baixo, contaminada por um calafrio perigosamente doce, Alaíde mordeu o lábio inferior. Sentindo o gosto do sangue entre os dentes, decretou:

− Esse gostosão não me escapa!

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Dois dias depois, no mesmo lugar, Alaíde esbarrou em Heleno. Com ares de antropófaga, perdão, de antropóloga, tentou iniciar uma conversa. O cara fez de contas que não era com ele e embarcou no primeiro ônibus que passou.

A mesma cena se repetiu várias vezes. Definitivamente, ele não estava "in the same page", como dizem os estadunidenses.

Alaíde sentiu o sangue ferver. E, em desespero de causa, lançou mão de truque que considerava infalível: saia de grife combinando com uma blusinha colante branca, dessas que ressaltam a opulência dos seios. Finalizou a produção com um toque de mestre: mergulho em vidro de legítimo perfume francês, made in Paraguay. Diante de tamanho esforço, impossível resistir – só se o rapaz não fosse "chegado" ao esporte das multidões...

Para surpresa geral, o sujeito fez beicinho e... negou fogo! Inventou desculpa e fugiu da raia.

Inconformada com a rejeição, Alaíde enlouqueceu. Com os instintos amorosos próximos do delírio, a fêmea implorou por carinho. Não conseguiu nada. Insistiu. Muito. Acabou vencendo pelo cansaço. Para se livrar do assedio, Heleno aceitou acompanhá−la ao cinema. Durante o encontro fez questão de deixar uma cadeira vaga entre os dois porque, além de estar comprometido com Matilde, "queria ver o filme"! Na saída, pediu desculpas, precisava ir para casa, tinha que trabalhar no dia seguinte, não dava para "esticar" até um bar ou boate. Despediu−se com um aperto de mãos.

Alaíde chegou em casa arrasada, aquilo nunca havia acontecido antes. Ciente de que estava apaixonada, só conseguiu dormir depois de chorar vários lençóis.

Depois de um mês dos mais desvairados esforços, Alaíde perdeu os escrúpulos e desferiu vários golpes baixos. Entre outras insanidades, argumentou que era contra as leis da natureza um homem tão bonito perder tempo com um monstro como Matilde.

Quando tudo parecia perdido, o rapaz fez uma concessão: concordou em tomar um whisky no apartamento de Alaíde. E impôs condição: só iria depois da meia−noite, pois não queria ser visto pelos vizinhos.     

Imaginando loucuras somente possíveis nos mais perversos romances pornográficos, Alaíde mal conseguia segurar a ansiedade quando soou a campainha.
           
Foi abrir a porta. No corredor, Matilde. O ogro logo foi cuspindo as palavras na direção de Alaíde, como se fossem facas:   
             
− Você se lembra do Aderbal? Claro que não! Era o meu namorado! Você resolveu tomar ele de mim. Enlouqueci. A vida é assim mesmo, perigosa. Você consegue imaginar o que fiz para controlar os piores sentimentos, a vontade de enfiar uma lixa de unha nos teus olhos? Claro que não. Lembre disso: guardei o ódio na geladeira. Deixei o tempo escorrer lentamente nas noites em que perdi o sono imaginando vocês dois juntos, na cama. Um dia, ou uma noite, não importa o momento, lembrei de meu primo Heleno, que é modelo fotográfico em São Paulo. Em nome da honra familiar, sabendo que você não resiste a homem bonito, pedi para ele fazer um, digamos, joguinho com você. E para quê? Alaíde, eu sou o teu pior pesadelo. Estou aqui para te comunicar o óbvio: você nunca vai conseguir colocar as mãos nele!  Heleno voltou para São Paulo. Ou seja, você levou um colossal pontapé na bunda. Perdeu, otária!   

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