Era uma unanimidade. Do centro da cidade ao subúrbio não se falava de outra coisa. Até os ricos frequentavam aquela casinha humilde, lá pelos lados do Morro do Posto. Todos iam buscar esperanças e soluções para os seus problemas. Poucos se decepcionavam. Em mais de uma oportunidade houve quem mencionasse a palavra milagre. Um exagero, balbuciava com timidez Aristófanes de Antióquia, o mais novo babalorixá da cidade.
Inteiramente vestido de branco (a luz fraca da sala de consultas escondia o colarinho encardido da camisa), colares coloridos em volta do pescoço, fitas do Senhor do Bonfim nos punhos e longas tranças que alcançavam o meio de suas costas, Aristófanes jogava búzios, lia as cartas, interpretava sonhos e aconselhava casais desajustados.
Meus amigos, não sou médico, nunca pretendi ser, aprendi com a natureza, sou formado na faculdade da vida − fazia questão de lembrar o líder espiritual.
Em seguida, prescrevia garrafadas e mais garrafadas de um líquido esverdeado, ótimo para qualquer coisa, desde unha encravada até dores d’amor. Era dessa forma que contribuía para diminuir as dores do mundo.
(Na saída, um cartaz cheio de erros de português explicava que o amor de Deus pelos homens e mulheres é grande, mas aqueles que O representam na Terra precisam comer. Terminava singelamente com a frase Donativos serão bem aceitos).
Recém−chegado de São Paulo, Aristófanes, ao final de suas consultas, utilizava−se de complicadas metáforas para explicar os misteriosos caminhos que o destino percorre para atingir o ponto de equilíbrio que separa a verdade das ilusões. Terminava o discurso afirmando que a fortuna está ao alcance de quem possui ambição. Homens e mulheres só podem ter desgostos na vida se forem fracos, repetia insistentemente. Depois, lia algum trecho da Bíblia, de acordo com os chacras do freguês. O público, estimulado com tamanha sabedoria, aplaudia o espetáculo.
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Aristófanes de Antioquia é tiro e queda, garantiu um amigo do músico Octávio Octaviano, quando soube que o artista estava procurando alívio para uma úlcera que nenhum remédio conseguia controlar.
Em desespero de causa, sem opção melhor, o músico resolveu experimentar essa forma de, digamos, medicina alternativa. Logo que Octávio entrou no recinto, o pai−de−santo o chamou para uma entrevista particular. Lá dentro, uma luz mortiça. Sobre um balcão, dezenas de velas acesas. Perfumando o ambiente, incenso de sândalo.
Sem deixar o cliente explicar o problema que lhe afligia, Aristófanes propôs ler o futuro nas cartas. Antes de qualquer objeção, indicou uma cadeira para o rapaz. Ficaram sentados frente−a−frente. O médium começou a distribuir o baralho pela mesa. Na primeira carta, anunciou grandes mudanças amorosas. Na segunda, que aquele que está só muitas vezes se esquece de olhar para quem está próximo. Na terceira, que as mulheres complicam a vida dos homens. E acrescentou, enquanto segurava as mãos do freguês, A felicidade só depende de você.
Desconfiado, Octávio, que estava olhando as cartas sem entender nada daquilo, levantou a cabeça. Recebeu, em troca, um longo olhar apaixonado e um piscar de olhos arrebatador.
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