Boteco, sexta-feira, final de tarde. Intermináveis copos de cerveja para sedes intermináveis. Conversa espichada, sem preocupações, sem horário para acabar.
Negro, roupa suja, completamente bêbado – ninguém o viu entrar, mas ele ali estava, pedindo dinheiro.
— Moçu? Mi dá dinheru prá comprá cachaça?
— Enlouqueceu? Se ainda fosse para comprar comida...
— Cumida, num quéru. Num tô cum fomi. Quéru cachaça!
— ????
— Eu qui bebu e cê é qui fica surdu? Moçu, quéru cachaça!
— Não! Dinheiro para cachaça eu não dou.
— Tudo bem. Já vi esse firme antes. Cê gosta memu é di mintirosu.
— O que foi que você disse?
— Moçu, quéru cachaça. Num tô pidindu grana prá comprá pão ou cumida. Eu gostu é di cachaça. Num quéru comprá pão. Num si iluda. Quéru cachaça!
— Definitivamente, essa conversa está ficando muito maluca.
— Num veju purquê. Eu gostu di cachaça. E só tô pidindo argum trocadu prá móde podê comprá um copu di pinga. Qualé o pobrema?
— Ora, nunca ninguém me pediu dinheiro para comprar cachaça. Você é o primeiro.
— Também nunca vi pulitico honestu, ma continuo creditando qu’um dia vai parecê o sarvadô da pátria. Será que cê pudia mi dá argum dinhero prá comprá cachaça?
— Caramba! Além de insistente, você é meio filósofo!
— Moçu, tem grana ou não?
— Não. Para cachaça não dou dinheiro.
— Sei...
— Que tom de deboche foi esse?
— É qui cê também é um poco isquisito. E a cerva, aí?
— O que é que tem a minha cerveja?
— Ora: eu gosto di cachaça, cê gosta di cerveja.
— Não entendi.
— Moço, mi dá arguma moeda prá comprá cachaça?
— Não! Para cachaça, não dou dinheiro! Mas, satisfaça a minha curiosidade: porque você gosta de cachaça?
— Purque cachaça é bão.
— Olha: tem alguma coisa fora do lugar nessa tua história. Diga lá, você bebe por algum desgosto na vida?
— Não, moçu. Bebu porque gostu.
— Francamente, não dá para acreditar nisso.
— O quiéqui num dá prá creditá?
— Que alguém beba em quantidade apenas porque gosta. Você é casado?
— Fui.
— O que foi que houve?
— A muié mi dexô.
— Será que não foi por causa da cachaça?
— Foi.
— Então, a cachaça estragou a tua vida!
— Não!
— Não entendi.
— Moçu, ela num gostava dus meus pileque, da minh’alegria, do meu jeito de vivê. Prifiriu i’bora, ca’as crianças. É a vida. Agora tenhu a cachaça só prá mim. Eu bebu porque gostu!
— Mas, será que você não entende que a bebida está estragando a tua vida?
— Moçu, cê é que num intendi nada! Eu gostu de cachaça!
— Está certo, eu vou te dar o dinheiro. Mas, quero que você me prometa que vai comprar, além da cachaça, um pouco de comida.
— Não! Nessa cundição num quero dinheru!
— O quê?
— Tô pidindo dinhero prá comprá cachaça. Cumida, num quéru!
— Não dá para entender a tua lógica!
— Moçu, eu gostu di cachaça! Será qué difícir intendê uma coisa tão simpres?
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