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sexta-feira, 9 de setembro de 2011

11 DE SETEMBRO E A LITERATURA


Dez anos atrás, pela primeira vez na história, o realismo entrou em curto−circuito. A difícil arte de contar uma boa história momentaneamente pareceu insuficiente para conter uma "grande narrativa" como o sequestro de quatro aviões e a colisão de dois deles contra as torres gêmeas do World Trade Center. Na luta sempre agônica entre o coletivo e o particular, o 11 de setembro desencadeou uma onda de histerismo social, político e religioso − que, além de modificar as relações geopolíticas em algumas regiões do mundo, também forçou a literatura repensar várias demandas estéticas.
Um novo cenário surgiu na geografia literária. E isso teve conseqüências imediatas, inclusive afetando literaturas regionais. Algumas discussões sobre as formas e fórmulas para representar o "real" (ou aquilo que a ficção considera "o" real) concluíram que a literatura estava precisando recompor a sua estratégia narrativa. Na tentativa de superar o descompasso entre a ficção e a realidade, foi necessário buscar novas forças para transmitir a sua versão do real. Em diversos momentos essa procura resultou em fracasso. O tom épico utilizado em romances como Homem em queda, de Don DeLillo, Terras baixas, de Joseph O’Neill, e Deixe o grande mundo girar, de Colum McCann, se cumpre com grande habilidade, embora isso não evite a sensação de que falta algo. Não se sabe exatamente o quê. Por outro lado, em Extremamente alto & incrivelmente perto, de Jonathan Safran Foer, e Windows on the world, de Frédéric Beigbeder, a abordagem temática sofreu o acréscimo de alguns recursos estilísticos e gráficos. Também não foi suficiente – ou convincente. Em todos esses textos, onde a qualidade literária prevalece, há uma incompletude, um vazio. O grande problema da contemporaneidade é a não utilização de uma linguagem contemporânea. Diante de uma tragédia que ultrapassou os limites da capacidade ficcional, a literatura convencional corre o risco de parecer muito convencional quando confrontada com a cobertura televisiva − que mostrou, ao vivo e em cores, algumas das cenas mais chocantes do 11 de setembro. É difícil compor um enredo que, mimeticamente, consiga comportar 2.996 mortos (contagem oficial para o 11 de setembro), além de centenas de milhares de soldados e civis que perderam a vida no Afeganistão e no Iraque.

Beatriz Jaguaribe afirma que O paradoxo do realismo consiste em inventar ficções que parecem realidade. Ironicamente, a ação de alguns ativistas políticos contrários ao imperialismo estadunidense gerou um novo campo temático a ser desenvolvido literariamente. A densidade dramática do conto The mutants, de Joyce Carol Oates, que narra a história de uma mulher presa em um apartamento naquele momento trágico, não tem equivalente em outras situações de crise política. A necessidade psicológica de criar um mundo paralelo como negação do real, como está descrito em Homem no escuro, de Paul Auster, mostra o quanto é difícil contemplar os escombros da crueldade humana. O ponto de vista do discriminado está amplamente contemplado em Terrorista, de John Updick, e Encontro, de Claire Tristan. Até mesmo em textos pouco afeitos ao caráter histórico, como Reconhecimento de padrões, de William Gibson, o 11 de setembro está presente.

Todo e qualquer contato humano deixa um rastro de sangue. Seguindo os versos de T. S. Eliot, "Após a rubra luz do archote sobre suadas faces / Após o gelado silêncio dos jardins / Após a agonia em pedregosas regiões", qualquer leitura sobre o que se escreveu (ficção, depoimento, análise) a respeito do 11 de setembro, apesar de não revelar “a luminosidade de um amanhecer depois de uma vida inteira passada no escuro” (como propõe o narrador de Um lugar chamado Brick Lane, de Mônica Ali), estabelece as bases para doloroso passeio sentimental entre os escombros que constituem aquilo que, em tempos remotos, foi chamado de civilização (metáfora apocalíptica levada às últimas consequências por Cormac McCarthy no romance A estrada).

Ao fundo, como se integrasse a trilha sonora que une os nossos corações com o som dos dois aviões se chocando contra as torres gêmeas, há o desespero daqueles que não conseguem esquecer os versos que a voz de Billie Joe Armstrong transformou em profecia: Summer has come and passed / The innocent can never last / Wake me up when september ends. ("O verão chegou e foi embora / O inocente nunca fica para trás / Acorde-me quando setembro acabar").

2 comentários:

  1. O verão chegou e foi embora, deixando apenas o riso horrível do idiota. Os inocentes não existem. Setembro, concluindo pelos noticiários, não acabará tão cedo.Até dia 12, Raul.

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  2. Rafael: setembro acabará no dia 30. O problema são as cicatrizes acumuladas, que, apesar de serem corrigidas esteticamente, nao diminuem psicológicamente. E, para continuar no terreno das citações, tomo as palavras de Grahan Greene para dizer que "A inocência é uma forma de loucura".

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