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segunda-feira, 16 de abril de 2012

A FESTA

O romance A Festa, escrito por Ivan Ângelo, em 1976, pode ser descrito de diversas maneiras. Talvez a mais apropriada seja anticonvencional. Com uma estrutura de quebra-cabeças (que lembra O Jogo da Amarelinha, de Júlio Cortázar, e alguns experimentos do Nouveau Roman), a narrativa é composta por textos semelhantes a contos e que sugerem diversas ordens de leitura.

Do ponto de vista formal, a narrativa está dividida em duas partes, que podem ser identificadas por um interessante recurso editorial. A primeira parte, impressa em papel comum, está dividida em oito episódios e abrange 133 páginas. A segunda parte, 58 páginas impressas em papel colorido, consiste em 61 notas explicativas aos fragmentos da primeira parte.

O enredo também não é de fácil entendimento. Puro labirinto onde é fácil se perder. Centrado em Belo Horizonte, há um entrecruzamento de inúmeras histórias e que culminam em uma festa promovida por Roberto J. Miranda (amante de Lúcio, noivo de fachada de Andrea). Antes do evento social, a narrativa está focada na repressão policial e política contra um grupo de nordestinos famintos (liderados por Marcionílio de Mattos) e que acabaram de chegar à cidade. Embora jamais se encontrem, um jornalista (Samuel) e um funcionário público (Carlos) se envolvem na confusão. Um morador próximo, testemunha ocular das arbitrariedades policiais, Ataíde, acaba preso – sua esposa, Cremilda de Tal, vítima de chantagem, mantém relações sexuais com integrantes dos órgãos de repressão política. Um casal, Candinho e Juliana (amante de Carlos), se odeia e planeja a destruição mútua. O marido envenena um bolo com arsênico e oferece à esposa. Para não despertar suspeitas, também come um pedaço. A empregada, Lady, segundo a regra de ouro da investigação policial de que o culpado é o mordomo, é acusada de duplo homicídio. A vida sexual da jornalista Andrea é devassada em uma delegacia. A festa foi invadida por um bando de rapazes, que destruíram o apartamento.

A multiplicidade de histórias, algumas ocorrendo simultaneamente, permite uma tessitura narrativa rica, plural e, em alguns momentos, confusa – confirmando que o diabo se esconde nos detalhes. Misturando opressão estatal, erotismo, dramas burgueses e luta de classes, além de intercalar vários estilos e pontos de vista narrativos, o romance, em alguns momentos, assemelha-se a um Samba do Crioulo Doido. Por isso, talvez a leitura mais adequada seja a de intercalar o texto da primeira parte com as notas referentes da segunda parte. De qualquer forma, nesse jogo entre o aparente e o real, a possibilidade de falta de entendimento é significativa. O quadro total demora a surgir – fato que traduz um dos maiores problemas desse tipo de construção literária: os leitores mais impacientes abandonarão o livro antes do fim da narrativa.

Romance político por excelência, A Festa não resistiu ao desgaste do tempo. Provavelmente só é lembrado por alguns arqueólogos literários. Além de a forma estrutural exigir uma atenção desnecessária em romances pré-roterizados para o cinema e televisão, o pouco interesse nas complicações históricas dos anos 70 do século passado não é suficiente para eliminar o hiato criado em torno do discutível compromisso da literatura com as questões de seu tempo. Como é de conhecimento geral, amplo e irrestrito, a literatura brasileira escolheu deixar que esses temas desapareçam nas páginas dos livros de História.

De qualquer forma, seja um romance datado (ou não), seja um texto difícil de ser lido (ou não), A Festa é um vigoroso exercício de criatividade e uma prova inconteste de que é possível conciliar literatura, política e forma estética.

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