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quinta-feira, 12 de abril de 2012

MANUEL BANDEIRA: NA VIDA INTEIRA QUE PODIA TER SIDO E QUE NÃO FOI

José Paulo Paes, em um poema gráfico, publicado nos anos 80 do século passado, trabalha com um jogo de palavras em que a palavra menor se transforma em enorme. É um milagre alquímico – o sonho de qualquer poeta que ambiciona conciliar forma e conteúdo. Ao mesmo tempo, é a mais completa tradução da poesia de Manuel Carneiro de Sousa Bandeira (1886-1968).

Bandeira foi uma metáfora viva, hasteada em lugar privilegiado. Ou melhor, uma declaração pública de que existem elementos primordiais para enfrentar a escuridão daqueles que viveram (ainda vivem) dentro da caverna. Com versos aparentemente fáceis, sem ingredientes épicos, parece indicar distância do altar sagrado dos grandes temas. Quem pensa assim, obviamente, está equivocado. Debaixo dessa toalha isenta de bordados se esconde uma mesa de mármore, onde as emoções são dissecadas agilmente pelo bisturi da poesia. Um dos prazeres propostos pelos versos de Manuel Bandeira está em revelar que a existência humana está entrelaçada por sutilezas de infinita complexidade, o comum e o raro reunidos em torno da imensidão social. Centrado em três vertentes básicas (a infância, o amor e a morte), o poeta não hesitou em descrever o sentimento lírico com incontornável beleza. Além disso, como que a se proteger das agressões da vida urbana, construiu um paraíso particular: É outra civilização / Tem um processo seguro / De impedir a concepção / Tem telefone automático / Tem alcalóides à vontade / Tem prostitutas bonitas / Para a gente namorar.

Talvez esse afastamento do mundo “real” esteja escorado no medo da morte. A indesejada das gentes visitou Manuel Bandeira quando ele tinha 18 anos. Não queria levá-lo – ainda. Mas, deixou um aviso bem claro de que a vida é transitória, e que a tuberculose é apenas um dos muitos meios com que as Parcas se apropriam das almas. O poeta não se deixou abater, apesar da doença não ter cura na época. Na procura por um lugar onde pudesse ter algum sossego, morou em lugares tão dispares como Campanha, Teresópolis, Maranguape, Uruquê e Quixeramobim. Quase dez anos após os primeiros sinais da moléstia, arrumou as malas e, em 1913, foi passar uma temporada em Clavadel, na Suíça. Ficou amigo de Paul Éluard e voltou melhor um ano e pouco depois, cheio de idéias, repleto de poemas. Publicou seu primeiro livro, Cinza das Horas, em 1917. Foi com poesia, humor amargo e ironia que driblou as ameaças, afastou o pessimismo e passou a viver intensamente, como se cada dia fosse o último. Paradoxalmente, viveu até os 82 anos, Humildemente pensando na vida e nas mulheres que amei..., como escreveu naquele poema dedicado a outro poeta do existir, Jaime Ovalle.

A vida pessoal de Manuel Bandeira pode ser descrita como discreta. No entanto, ele teve inúmeras namoradas. Nos últimos anos de sua vida viveu maritalmente com Maria de Lourdes Heitor de Souza.

Parte importante da história de Manuel Bandeira está retratada no depoimento autobiográfico Itinerário de Pasárgada, onde, em forma de depoimento (e testamento) literário, conta algumas histórias da infância e da formação literária. Também menciona amigos, livros e autores que o influenciaram. Além disso, o professor de literatura do Colégio Pedro II (Rio de Janeiro) não economizou nas lições pedagógicas e revela segredos do difícil ofício que escolheu para expressar os tormentos que o afligiam. Esse livro, monumental documento histórico, somente foi escrito depois de insistentes e impertinentes pedidos de Fernando Sabino e Paulo Mendes Campos, discípulos e admiradores do poeta.

Embora não tenha participado pessoalmente da Semana de Arte Moderna, em 1922, sua obra poética costuma ser mencionada como integrante daquela proposta revolucionária. Parte desse entendimento está relacionada com a amizade que teve com Mário de Andrade e porque Ronald de Carvalho leu um de seus poemas, Os Sapos, durante o evento. Mas, como lembra Bandeira, (...) não quisemos, Ribeiro Couto e eu, ir a São Paulo por ocasião da Semana de Arte Moderna. Nunca atacamos publicamente os mestres parnasianos e simbolistas, nunca repudiamos o soneto nem, de um modo geral, os versos metrificados e rimados. Em seguida, complementa, como que a pedir desculpas pela falta: Pouco me deve o movimento; o que eu devo a ele é enorme. Não é só por intermédio dele que vim a tomar conhecimento da arte de vanguarda na Europa (da literatura e também das artes plásticas e da música), como me vi sempre estimulado pela aura de simpatia que me vinha do grupo paulista.

Publicou Ritmo Dissoluto (1924), Libertinagem (1930) e Estrela da Manhã (1936). Em 1940 foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras. Sua obra literária não se restringe à poesia. Publicou resenhas literárias, algumas traduções (de excelente qualidade) e vários ensaios.

No dia 13 de outubro de 1968, Manuel Bandeira morreu, vítima de hemorragia gástrica. Aquele que pediu para ser perdoado por ser um poeta menor engrandeceu a literatura brasileira.


PORQUINHO-DA- ÍNDIA

Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho-da-índia.
Que dor de coração me dava.
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Levava ele prá sala
Pra os lugares mais bonitos mais limpinhos
Ele não gostava:
Queria estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas...

– O meu porquinho-da-índia foi a minha primeira namorada.


CONSOADA

Quando a Indesejada das gentes chegar
(Não sei se dura ou caroável),
Talvez eu tenha medo.
Talvez sorria, ou diga:
– Alô, iniludível!
O meu dia foi bom, pode a noite descer.
(A noite e seus sortilégios.)
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,
A mesa posta,
com cada coisa em seu lugar.





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