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quarta-feira, 25 de abril de 2012

MEUS DIAS DE ESCRITOR

Quais são os limites entre o certo e o errado? Independente de discussões intermináveis, que envolvem os conflitos éticos e morais, muitas vezes a resposta está vinculada com o momento em que o conflito se apresenta. A vida está (de)composta por frágeis interesses (fama, vaidade, maldade, inveja, ciúme, cobiça). Poucos conseguem ter forças suficientes para resistir às tentações (obscuras, irresistíveis) do drama faustiano.

O romance Meus Dias de Escritor, de Tobias Wolff, está concentrado em um desses momentos críticos. O colégio interno onde o narrador estuda cultiva a literatura com o mesmo entusiasmo que outros colégios dedicam ao basquete ou ao baseball. Ao final de cada ano letivo, a escola convida um escritor célebre para uma palestra. O vencedor do concurso literário promovido em homenagem ao evento ganha o prazer de passar algum tempo na companhia do convidado. Além disso, o texto vencedor é publicado, com destaque, no jornal da escola.

Todos os integrantes do grupo que edita a revista literária Troubadour (George Kellogg, William White, Jeffrey Purcell e o narrador) sonham em conquistar essa honra. Inclusive, porque − deitados nos prazeres da meritocracia − eles se imaginam melhores escritores do que os outros alunos. Quase ninguém discorda dessa tese quando Kellogg escreve o poema vencedor no ano em que Robert Frost foi o convidado.

No segundo ano, a escola recebeu Ayn Rand e o concurso literário foi vencido por um "azarão": Big Jeff (primo de Jeffrey Purcell, conhecido como Little Jeff).

Aqueles que tinham ambição literária perceberam que precisariam se esforçar um pouco mais.

Certa noite, o narrador estava na redação da revista, nervoso demais para uma outra tentativa com a história que não estava conseguindo escrever. O convidado daquele ano era Ernest Hemingway. Depois de folhear algumas revistas antigas de outros colégios e de ler vários contos, encontrou (em uma revista de um colégio interno feminino), uma história muito bem escrita chamada Festa de Verão. Imediatamente se identificou com aquelas palavras − Voltei ao início e li de novo, dessa vez lentamente, sentindo o tempo todo a impressão de que meu cofre mais íntimo tinha sido arrebentado e saqueado, e todas as coisas escondidas espalhavam−se ali naquelas paginas. Desde a primeira frase eu olhava para o meu rosto.

Seguindo um exercício de redação criativa que praticava, começou a copiar a história. Sem pensar muito nas conseqüências − na medida em que ia transcrevendo a narrativa −, alterou alguns detalhes, mudou o gênero do narrador (era uma mulher). Enfim, intermediado pela máquina de escrever, transportou o conto alheio para os seus domínios.

No dia seguinte, inscreveu Festa de Verão no concurso. Transcorrido o tempo hábil, o resultado da competição se tornou público. O narrador de Meus Dias de Escritor foi contemplado com a honra de encontrar Ernest Hemingway.

Não demorou muito e alguém descobriu o engodo. A diretoria da escola recebeu uma cópia da página da revista onde o texto havia sido publicado originalmente. Não houve surpresa: expulsão – que foi realizada com a maior discrição possível.

Ironicamente, a desonestidade intelectual foi em vão. Hemingway não compareceu ao encontro com os alunos: suicidou−se em julho de 1961.

O fio narrativo só é recomposto muitos anos depois. As diversas pontas soltas se unem no emaranhado emocional que envolve a idade adulta (momento em que o passado é apenas uma sombra que tinha sido esquecida lentamente, sem preocupações, sem culpas). Em um encontro ocasional com um dos professores do colégio, o narrador descobre que não foi o único a ultrapassar a linha ética e moral. E − nos moldes de uma última lição escolar − descobre que, diante de uma situação constrangedora, para aqueles que possuem caráter, há várias formas de reagir, de se redimir e de gozar do prazer proporcionado pela redenção.

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