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terça-feira, 17 de abril de 2012

TEATRO

Na contracorrente do capitalismo predatório e da massificação produzida pela reprodutibilidade técnica, o teatro provavelmente é a única forma artística que ainda não perdeu integramente a aura. Por maiores que sejam os percalços impostos pela contemporaneidade, ainda é instrumento de resistência contra as iniqüidades sociais e econômicas que devoram, com o perdão do clichê, corações e mentes. No entanto, essa semi−independência não foi conquistada sem concessões. Ficaram para trás inúmeros ideais − provavelmente estendidos no proscênio do palco italiano das ilusões perdidas. Em outras palavras, a qualidade e o compromisso com a transformação social já não são mais os mesmos. A dramaturgia produzida por William Shakespeare, Anton Tchekhov, Henrik Ibsen, August Strindberg, Luigi Pirandello, Bertolt Brecht, Eugene O’Neill, Jean−Paul Sartre, Harold Pinter ou Dario Fo, entre outros, desapareceu no pó da estrada que leva o nada ao lugar nenhum.

Ir ao teatro é um ritual de passagem. A breve ansiedade de chegar uns quinze minutos antes do horário se soma ao prazer de ouvir o sinal que indica o inicio da peça. Assistir a um espetáculo que jamais vai se repetir, mimeses do axioma de Heráclito de Éfeso (Ninguém se banha duas vezes nas águas de um mesmo rio), se assemelha a uma dádiva divina. Impossível roubar essa experiência dionisíaca.

Entre o abrir das cortinas e o corpo que se ajeita na poltrona, uma coleção de minúcias se desenvolve em torno da imaginação. Lá atrás do cenário, entre o camarim e a boca de cena, os últimos detalhes quase enlouquecem quem trabalha na produção. Enquanto a ação dramática recorta os acontecimentos no limite da proposta narrativa, somem copos e corpos que deveriam aparecer no primeiro ato. Atores ensaiam crises histéricas enquanto roldanas rangem. Alguém corre para lá e para cá, tentando encontrar o fio desconectado que impede que a aparelhagem musical funcione. Improvisação é a palavra mágica que permite transformar a fantasia em realidade. Seria trágico, não fosse comédia.

O teatro se confunde com a vida. Somos cínicos. Somos cênicos. Durante a duração do espetáculo, o faz de contas substitui os fatos, impõe outra ilusão. O jogo das aparências, construído pela narrativa, esconde a bagunça dos bastidores – qualquer semelhança com as relações políticas jamais será mera coincidência.

Apagam-se as luzes, holofotes se concentram no palco, a música começa a tomar conta do ambiente, nada mais importa. A vida é sonho, como disse Calderón de La Barca.

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