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terça-feira, 29 de maio de 2012

HISTÓRIAS CRUZADAS

A barbárie e o preconceito (racial, econômico, social, sexual) costumam andar de mãos dadas – chutando, sem a mínima piedade, os conceitos civilizatórios, a democracia e a paz social.

Histórias Cruzadas (The Help. Dir. Tate Taylor, 2011) é um filme raro no cenário hollywoodiano. Baseado no romance de Kathryn Stockett, narra uma série de abusos raciais, ocorridos na década de 50 do século passado, em Jackson, Mississippi, Estados Unidos.

Centrado na relação trabalhista entre donas de casa e empregadas domésticas, o filme fornece um retrato realista de como esse horror estava perpetuado na classe dominante. Aos brancos, ou melhor, às mulheres brancas cabia administrar mansões, promover chás sociais, angariar recursos para os famintos de África e oprimir, sempre que possível, as serviçais. Patroa boa era aquela que maltratava melhor. Obviamente, encasteladas na prepotência, muitas dessas senhoras, educadas nas melhores escolas para moças que o dinheiro familiar podia pagar, faziam questão de esquecer que a cada ação corresponde uma reação de igual força e sentido contrário. O momento mais emblemático dessa circunstância ocorre com a personagem Minny Jackson (magistralmente interpretada por Octávia Spencer, o que lhe valeu o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante). A torta de chocolate que ela oferece à ex−patroa simboliza, simultaneamente, a revolta pacífica e a recusa violenta de se submeter à brutalidade dos tiranos.

Eugênia Skeeter Phelan (excelente interpretação de Emma Stone), ao voltar para casa, para cuidar da mãe, que está doente, como convém a uma mulher branca, feminista avant la lettre, procura um emprego. Encontra−o no jornal local. Em lugar de grandes entrevistas ou de matérias sensacionais, passa a dirigir a coluna de conselhos domésticos. Não é o que gostaria de fazer, mas serve de exercício para os futuros romances que pretende escrever.

Como quase nada sabe sobre a vida doméstica, pede ajuda à empregada de uma amiga. Desta forma, entra em contato com Aibileen Clark (interpretação perfeita de Viola Davis). Enquanto vai aprendendo truques domésticos, como tirar manchas de camisa ou fazer tortas de maçã, descobre que está havendo ao seu redor todo um ritual de segregação racial. Não bastasse as escolas e os ônibus destinados apenas aos negros, também há uma preocupação muito acentuada em construir banheiros que deveriam ser usados apenas pelas empregadas.

Skeeter, diante da forma sádica com que as empregadas são tratadas por suas patroas, começa a imaginar a possibilidade de denunciar esse absurdo. Com a consciência de uma intelectual da primeira metade do século XX, imagina poder mudar o mundo através de um livro−depoimento. De uma forma ingênua e heróica, quer relatar as relações sociais e trabalhistas do ponto de vista dos negros. As duas primeiras mulheres entrevistadas, Aibileen e Minny, mostram−se reticentes. O medo da retaliação e anos de subserviência pesam como se fossem grilhões escravagistas.

Com paciência, Skeeter consegue vencer as barreiras e obtém os primeiros depoimentos. É Aibillen quem inicia os relatos. Depois de muito sofrimento, consegue superar as pressões físicas e psicológicas. Depois, há a adesão de Minny (que, entre outros martírios, é vítima de violência domestica). Aos poucos, outras empregadas vão aderindo à causa. O livro vai tomando forma.

O excesso de crueldade produz a revolta, é o que Skeeter aprende, ao ouvir, incrédula, os relatos de agressões. Cada história de abuso e sevícia reproduz a banalidade do mal.

Enquanto Skeeter e Aibileen vão escrevendo The Help, o mundo se transforma. As lutas pelos direitos civis (Martin Luther King) e os irmãos Kennedy (John e Robert) modificam a paisagem até então aparentemente plácida. Esse mundo novo, que produz a decadência da nobreza provincial, promete dias mais democráticos, menos preconceituosos, mais próximos da igualdade social.

Histórias Cruzadas é um filme de mulheres, para mulheres. A história escrita a contrapelo, como dizia Walter Benjamin. Poucos homens aparecem em cena. E quando o fazem, não passam de meros objetos de decoração ou símbolos da opressão.

Belíssimo.

Um comentário:

  1. Fantástico, realmente. Octavia Spencer ganhou o "Globo de Ouro" e o "Oscar" como atriz coadjuvante. O que me comoveu foi a passividade frente aos abusos raciais. A única atitude agressiva se resume à torta de "chocolate"

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