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segunda-feira, 22 de agosto de 2011

O ÚLTIMO CAPÍTULO DA NOVELA


A chuva e o frio eram intensos. Além disso, como ainda não resolveram um problema elementar de física − estar em dois lugares ao mesmo tempo −, precisei fazer uma escolha desagradável: atormentar alguns alunos ou assistir o último capítulo da novela. Optei por ministrar péssima aula. E vários motivos concorreram para essa calamidade. Além de ter apresentado texto inapropriado para o público daquela noite, precisei superar alguns problemas técnicos: desconforto estomacal, que – em alguns instantes – importunou bastante, e uma pane no PowerPoint. O que deveria ser uma coisa se tornou outra. E pior. Aliás, o pior não foi isso, foi não ter pedido desculpas aos alunos pelo desastre.

Então, enquanto torturava alunos e sentia frio, estive impossibilitado de assistir – em tempo real − as claudicantes "lições de moral" que costumam acompanhar os desfechos narrativos promovidos pelos folhetins televisivos. Não fui tragado pela vertigem que devora o senso critico do espectador. Poupei a mim mesmo da soma do ridículo com o lamentável. Ignorei aqueles diálogos de história em quadrinhos. Perdi esse engodo pseudo−ético que é a punição dos culpados – momento em que "a" virtude é exaltada de forma maniqueísta. Fiquei sem ver o happy end, a fórmula mais ridícula de anestesiar a vida.

E isso foi bom. Não, foi mais: foi excelente. O cinismo que cultivo desde a infância já é suficiente para minhas necessidades básicas.

Término de uma etapa, início de outra. Outra novela. Entre um não−lugar e outro, nenhum comprometimento com o mundo "real". Talvez seja esse o destino da ficção: atrair olhares para o lado, enquanto a vida atropela todos nós na estrada principal.

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