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sexta-feira, 14 de outubro de 2011

DON JUAN: UMA VERSÃO SUBURBANA


Sidney Garambone é jornalista e trabalha com esportes na Rede Globo de Televisão. Como escritor, não recebeu dos deuses da literatura talento para integrar o primeiro time. Nem o segundo. Se essas classificações fossem dignas de algum crédito, ele provavelmente não conseguiria sequer um lugar no banco de reservas do terceiro. Entretanto, assim como o futebol é uma caixinha de surpresas, um dia ele entrou em campo e − por um desses acidentes que ninguém consegue explicar − marcou um gol. Gol? Não. Golaço! Gol de placa, daqueles que transformam as paredes dos estádios em molduras da eternidade. Doze páginas é o tamanho desse momento de glória − que há de garantir ao seu autor o viver o resto de seus dias embaixo dessa sombra. O Brasil está cheio de escritores que não conseguem sequer se aproximar desse momento de triunfo.

O conto O caçador de barangas conta uma história peculiar. Jorge é jovem, bonito, corpo bem definido, e acredita que [veio] ao mundo com a missão de levar alegria às carentes de beleza. Em outras palavras, só sente prazer sexual com as feias. Ele gosta das que apresentam espinhas e manchas na pele, das que não tem bunda ou seios. Um par de óculos de grau contribui favoravelmente para o aumento do tesão. Diante das gordas surge uma palpitação erótica e sensual que excita o rapagão. Encontra a felicidade envolvendo−se com bagulhos, dragões, sapirongas, estrufucunças, canhões... Quanto mais afastada dos conceitos clássicos de perfeição estética for a mulher, mais excitado fica Jorge.

Misto de Don Juan suburbano e Robin Hood pós−moderno (que nega às bonitas o desfrute das delícias do corpo de um jovem de 25 anos e, ao mesmo tempo, sente prazer em fornece prazer para quem raramente desfruta do prazer), Jorge é obcecado pelos encantos somente possíveis nos corpos das desprovidas de formosura. Embora precise contornar as dificuldades econômicas, pois Motel está caro e muitas vezes era ele quem pagava integralmente a noite, trinta e cinco mulheres integram a sua contabilidade amorosa; trinta e cinco fêmeas dormiram felizes depois de terem sido encantadas pelo néctar que somente ele foi capaz de lhes fornecer.

Utilizando−se do próprio corpo – e do desejo que o reveste – Jorge, vai tecendo o ardil em torno de suas vítimas. E o faz sem pressa, pois está consciente de que "as mulheres possuem um tempo diferente na cama". Também sabe que é no ritual de conquista que o gozo inicia. Com um arsenal constituído por charme e mentiras, ele não esconde da presa a fome de lobo. E, por isso mesmo, é recebido de braços abertos. Ou melhor, de pernas abertas. Sem pudor, sem arrependimento. Nenhuma mulher carente consegue resistir à sugestão de desfrutar daqueles músculos. As noites de solidão e frustração sexual são esquecidas pela probabilidade de saborear aquelas carnes.

Infelizmente para aquelas que recebem o usufruto desse bilhete premiado, esse é um prazer temporário, sem compromisso. Como naquela música do Chico Buarque, na manhã seguinte / não conte até vinte / te afasta de mim / pois já não vales nada / és página virada / descartada do meu folhetim. Na manhã seguinte, como se fosse um cavalheiro medieval, desses que saem por terras desconhecidas, procurando pelo santo Graal, é hora de ir procurar por outra princesa desencantada.

Paródia bem realizada do mito machista da conquista amorosa, O caçador de barangas é candidato a integrar todas as antologias de humor da literatura brasileira.

Um comentário:

  1. Li o conto. Adorei o sono feliz das barangas adormecidas. Excelente conto.Jorge, sério candidato ao Nobel da paz.

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