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sexta-feira, 7 de outubro de 2011

QUEM É TOMAS TRANSTRÖMER?


Todo ano é a mesma coisa. Surpresa. E decepção. O prêmio literário mais importante do mundo, o Nobel, se tornou sinônimo do inusitado. Ou das "descobertas" literárias. Os integrantes da Comissão de Seleção da Real Academia Sueca, oscilando entre as questões políticas e preferências obscuras, ofuscam as bolas de cristal e impedem quaisquer vaticínios sobre quem vai ser o ganhador da honraria.

Entre aqueles que possuem qualidades e produção literária suficientes para se considerarem candidatos, Philip Roth, Amós Oz e Ismail Kadaré ficaram "a ver navios" – outra vez!

Em 2011, o vencedor foi Tomas Tranströmer. Quem? Um poeta sueco. Hã? Poeta? Sueco? Se mal−educado fosse (quer dizer, mais do que já sou), diria desconhecer vida inteligente naquela parte da Escandinávia. Não posso cometer tal crime − inclusive porque essa ignorância se deve ao fato de que fui (des)educado no sul do Brasil, uma terra igualmente tão desvalorizada literariamente quanto o reino que ficou conhecido por fabricar caminhões e empilhadeiras.

Um poeta. Artigo raro no mercado literário. Como a poesia "não dá camisa para ninguém", como diria o utilitarismo capitalista, nos últimos trinta anos somente seis mestres do verso (Czeslaw Milosz, Joseph Brodsky, Octávio Paz, Derek Walcott, Seamus Heaney e Wislawa Szymborska) foram contemplados com a medalha, o diploma e os 10 milhões de coroas suecas (cerca de R$ 2,7 milhões) oferecidos pelo espólio de Alfred Nobel. Na lista dos ganhadores do prêmio, somente os dramaturgos são mais raros.

Que tipo de versos escreve o autor de 17 Dikter (17 poemas)? Não sei. Desconheço − embora Tranströmer tenha sido traduzido para cerca de 50 idiomas. Terá sido a língua portuguesa uma das que foram agraciadas com tão ilustre honra? Sim. Dizem que podemos diminuir nossa falta de conhecimento procurando pelas edições (esgotadas, suponho) de O grande enigma (Den stora gatan) e Pelos vivos e mortos.

De acordo com o comunicado oficial, o premio foi concedido porque através de suas imagens condensadas e lúcidas, ele nos oferece um novo acesso à realidade. Partindo desse conjunto de obviedades, típicas do "engana−trouxa", pouco ou nada é possível imaginar sobre a qualidade poética da mais nova celebridade literária. Tanto pode ser um gênio, quanto um poetastro. Estou torcendo pela primeira opção.

Outra coisa que desconheço é a pronúncia correta do sobrenome do poeta. Esse "ö" complica qualquer esforço de parecer inteligente e cosmopolita. Como não domino sequer os rudimentos da língua sueca, fica difícil imaginar o som correto. Além disso, com a reforma ortográfica (que nada reformou), o trema está impedido de freqüentar os melhores ambientes da gramática portuguesa.

Tranströmer, que nasceu em 1931, trabalhou como psicólogo até 1990, principalmente com delinqüentes juvenis. Delinqüentes juvenis suecos, evidentemente. Se fossem brasileiros, o mundo teria um poeta a menos.



HISTÓRIAS DE MARINHEIROS

Tomas Tranströmer (1954)

Há dias de inverno sem neve em que o mar é parente
de zonas montanhosas, encolhido sob plumagem cinza,
azul só por um minuto, longas horas com ondas quais pálidos
linces, buscando em vão sustento nas pedras de à beira-mar.

Em dias como estes saem do mar restos de naufrágios em busca
de seus proprietários, sentados no bulício da cidade, e afogadas
tripulações vêm a terra, mais ténues que fumo de cachimbo.

(No Norte andam os verdadeiros linces, com garras afiadas
e olhos sonhadores. No Norte, onde o dia
vive numa mina, de dia e de noite.

Ali, onde o único sobrevivente pode estar
junto ao forno da Aurora Boreal escutando
a música dos mortos de frio).

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