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terça-feira, 18 de outubro de 2011

HENRY JAMES E AS LIÇÕES DO EXÍLIO


Henry James, um dos maiores escritores da língua inglesa, nasceu em 15 de abril de 1843, em Nova Iorque, e morreu em 28 de fevereiro de 1916, em Londres. Segundo uma grande parcela dos estudiosos de sua obra, quase nada aconteceu entre uma data e outra. Um evidente exagero. Os vinte e um romances, as 112 narrativas curtas (contos e novelas) e os inúmeros e trágicos fracassos como dramaturgo desmentem essa "blague".

Filho de um milionário esclarecido, cujo ideal era aproveitar as boas coisas da vida, Henry James (júnior), desde a infância, freqüentou ambientes intelectuais de primeira grandeza. Ralph Waldo Emerson costumava comparecer aos eventos sociais e literários realizados na mansão da família James.

Durante a adolescência e a vida adulta, Henry viajou inúmeras vezes para a Europa, inclusive na companhia de seu irmão mais velho, o filósofo William James. Ao contrário dos dois irmãos mais novos não lutou na Guerra de Secessão (a desculpa foi um acidente, que o deixou com problemas nas costas pelo resto da vida). Nunca precisou trabalhar, no sentido mais grosseiro da palavra. Há quem diga que foi feliz.

Na Inglaterra e na França fez amizade com Ivan Turgueniev, Gustav Flaubert, Emile Zola, Guy de Maupassant, George Eliot, Robert Louis Stevenson, Joseph Conrad, H. G. Wells. Em Estados Unidos, foi amigo de Stephen Crane e Edith Wharton. Com esse currículo pode−se perceber que ele não foi "qualquer um".

Como ninguém é perfeito, alguns pontos ainda hoje perturbam a fortuna critica de Henry James. O fato dele nunca ter tido algum tipo de relação afetiva pública (seja feminina, seja masculina) tem sido desculpa para que, volta e meia, os professores de literatura gastem baldes e baldes de tinta tentando explicar porque se supõe que ele morreu virgem. O que isso pode contribuir para aumentar ou diminuir a grandiosidade de Os embaixadores ou Retrato de uma senhora ninguém ainda conseguiu explicar direito.

Por outro lado, foi surpreendente a decisão de morar em definitivo na Inglaterra, a partir de 1876. Cultivando uma espécie de auto−exílio, verdadeira contramão da história (naquela época o normal era atravessar o Atlântico na direção dos Estados Unidos), esse fato é de suma importância para se entender o que ele chamou de "tema internacional" – o conflito de viver em uma cultura que não é a de origem, mas que também não aceita a "nacionalização" do meteco. E isso fez com que ele se sentisse, muitas vezes, duplamente discriminado. Segundo os desafetos, ele não era nem estadunidense nem inglês.

O que ocorreu com duas novelas publicadas em 1878 é típico desse período. Daisy Miller foi considerada "um insulto às moças americanas" e o seu autor um ingrato, um traidor da pátria. Tudo isso porque a personagem principal pareceu – para alguns leitores menos perspicazes – um estereótipo da jovem estadunidense mal−educada. No caso de Um incidente internacional, os ofendidos foram os ingleses. Algumas personagens são nitidamente caricatas e a intenção satírica nem tentou ser disfarçada. Todas essas brigas resultaram em tragicomédia, onde Henry James foi o único perdedor – apanhou dos dois lados, literária e literalmente.

Henry James sobreviveu − inclusive ao descaso que o conjunto de sua obra sofreu ao longo de sua existência. O reconhecimento merecido só ocorreu nos anos 40 do século XX. Críticos do porte de Edmund Wilson, W. H. Auden e F. O. Mathiessen escreveram diversos artigos e ensaios, mostrando o quanto a ficção produzida por James havia contribuído qualitativamente para a evolução da narrativa. Depois disso, não houve mais discussão. Infelizmente, como sempre acontece, a glória apareceu tarde demais.

Alguns dos romances jamesianos são quilométricos, onde "quase" nada acontece. Quase. Ler Henry James exige paciência. Sem isso não é possível entrar em um mundo povoado por imagens surpreendentes, "desenhos no tapete", as entrelinhas gritando no meio das frases, como se o que é sugerido fosse muito mais importante do que o que está escrito. Os enredos evoluem lentamente, quase em "slow motion", repletos de sutilíssimas filigranas, rios que escorrem pelo texto através de frases longas, caudalosas, cheias de parênteses e metáforas surpreendentes. Fica a impressão de que o texto – contraditoriamente – constitui alguma tentativa estranha de fuga, tantas são as digressões que o compõem.

Assim como Henry James, todas as suas personagens estão isentas de preocupações financeiras. Raras são as que exercem alguma ocupação trabalhista. Na maioria das vezes, constituem um grupo de privilegiados que gastam dias e noites pela Europa (Paris, Londres, Veneza...) – e sem o menor constrangimento. O que as atormentam são as questões morais e emocionais. A diferença entre o certo e o errado, em determinada situação, é motivo mais do que suficiente para o escritor escreva no mínimo umas 300 páginas. E o que surge dessa inquietação não é exatamente um panorama da sociedade ociosa do século XIX, mas um painel corrosivo da alma humana e de suas fraquezas.

Quando, por fim, nada mais pode ser acrescentado ou omitido, quando todas as incertezas são nomeadas, quando o mundo interior das personagens é recriado à imagem e semelhança do deus−narrador, é que surge a cena final. Quem a vê, quem a lê, descobre, neste instante, a celebração de algum tipo de ritual pagão: a revelação de tudo o que até então tinha sido negado ostensivamente. Para Henry James, a verdade narrativa é irmã da decepção. Junto com o naufragar das esperanças, ele acrescenta uma lição de dignidade: a contenção dos sentimentos mais primários. Não basta sofrer, é necessário fingir que o dilaceramento não atingiu os órgãos vitais. Como se fossem constituídos de algum material nobre, capaz de suportar os piores revezes (inclusive os amorosos), os personagens jamesianos sofrem sem perder a pose ou a educação. Gritos e lamentos são raros – e quando acontecem é em quarto fechado, longe do público. O usual é − o coração em chamas − um sorriso de alívio por tudo ter terminado (Os Embaixadores, A Fera na Selva, Daisy Miller,...). Não é uma imagem bonita.

Ao leitor, aquele leitor que resistiu a todos os obstáculos propostos pela narrativa, que - por curiosidade ou insanidade - conseguiu chegar ao final do texto, resta a sensação de que se equilibrou em uma teia de aranha quase imperceptível e que, página a página, viu os personagens e os acontecimentos se transformando, comungando uma mistura de fascínio, sentimentos ambíguos e desfechos trágicos. Nada é explicito. Nada agride diretamente. O que há é um delicado embate de emoções. Uma contida colisão de emoções – que não mede esforços para atingir os abismos que dilaceram a alma, que retratam a perversidade que é o viver.


Se ler Henry James não é uma tarefa fácil, traduzi−lo é muito mais problemático. A belíssima versão de A fera na selva, realizada por Fernando Sabino, é um "tour de force" que precisa ser comemorado. Paulo Henriques Britto, nos contos que compõem A morte do leão, não só recria o ambiente narrativo original como torna o escritor mais acessível para as novas gerações de leitores.

A novela A volta do parafuso (The turn of the screw) é o texto mais conhecido de Henry James no Brasil. Por isso mesmo é o que possui o maior número de traduções comerciais: dez.

2 comentários:

  1. Ocupo-me destas sutilíssimas filigranas emocionais e morais em meu cotidiano. PORÉM, preciso trabalhar, e me ocupar das grosseiras necessidades que me conduzem pela mão, quando não me chutam o traseiro. Ler Henry James é me reconhecer como um aristocrata de comdição. Falta-me apenas o dinheiro e as viagens. Um profundo desprezo pela vulgaridade, isto eu já tenho. Excelente Raul.

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  2. Rafael:

    Você é uma figurinha carimbada! Provavelmente dará (epa!) um bom personagem literário!

    Abraços,

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