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terça-feira, 25 de outubro de 2011

SYLVIA PLATH: BREVE CAMINHO ANTES DO FIM




A melancolia costuma aparecer nos finais de tarde, naquela hora em que todo mundo está fragilizado, sem forças para resistir às dores do mundo. Simultaneamente, como amigas inseparáveis, a ausência de objetivos e a depressão sussurram no ouvido de suas vítimas que nada mais tem sentido, que é preciso dar um fim à angústia. É hora de tomar uma decisão.

Frieda (três anos) e Nicholas (um ano) foram colocados a salvo, no andar de cima. A janela do quarto ficou entreaberta, apesar da neve torrencial que caia lá fora. As frestas da porta foram vedadas com alguns panos. Junto da cama das crianças, pão e leite.

A porta da cozinha também foi vedada. Lentamente, para cumprir as muitas mortes que haviam sido anunciadas pelos versos tristes e complicados de sua poesia, Sylvia Plath abriu o forno do fogão. Colocou dentro um pano dobrado. Provavelmente se ajoelhou, como a verificar se alguma coisa poderia estar errada. Depois, deitou−se – a cabeça sobre o pano, dentro do fogão. Abriu a torneira do gás. E esperou, com resignação, o fim de todos os problemas.

Na manhã seguinte, quando os bombeiros arrombaram a porta do número 23 da Fitzroy Road, as crianças estavam com muito frio.


Sylvia Plath nasceu em 2 de outubro de 1932, em Boston (EUA) e suicidou−se no dia 11 de fevereiro de 1963, em Londres (Inglaterra). Era loura, alta e tinha o hábito de sentar−se com as pernas cruzadas, balançando impacientemente os pés enquanto as mãos faziam evoluções sobre o colo, os dois polegares apunhalando−se com as unhas.

Trinta anos de existência foram suficientes para inscrever o seu nome, de forma definitiva, no confuso e sempre antagônico mundo literário que, separado pelo Oceano Atlântico, chamamos de anglo−estadunidense. No entanto, o grande debate que motiva sua notoriedade não está relacionado com aquilo que seu conterrâneo, Henry James, havia, um século antes, chamado de tema internacional – verdadeira contramão da história, sair de casa e conviver com o auto−exílio europeu. Não, não é nada disso.

O interesse pela vida do Outro está intimamente relacionado com a cultura do espetáculo, momento em que algum bisbilhoteiro, na esperança de embarcar na fama que não lhe pertence, não poupa esforços para contar intrigas e fofocas. No mercado internacional estão disponíveis pelo menos umas dez biografias de Sylvia Plath. A mais interessante foi escrita por Anna Stevenson − o titulo, Bitter fame, remete a dois versos de Anna Akhmatova (outra mulher talentosa e complicada): Se não podes dar amor e paz / Dá−me então amarga fama.

Outro detalhe que aguça a curiosidade pública é o silêncio obsessivo dos filhos e de Ted Hughes. Como bons ingleses, movidos pelo distanciamento educado, enquanto puderam eles se abstiveram de comentar qualquer detalhe a respeito da vida e morte da mãe e ex−esposa. Mas esse comportamento não se ateve apenas ao respeito à memória. Há outros ingredientes a azedar o drama. Alguns anos depois da morte de Plath, a "outra" também se suicidou. Na imprensa inglesa, onde a piedade é apenas um adjetivo educado, não faltou quem lembrasse um verso famoso da titular: Every woman adores a Fascist (Toda mulher adora um fascista). Em seguida, o rosário de acusações emendou o poema que fez as delícias dos freudianos, Daddy, (...) the brute / Brute heart of a brute like you ([...] o bruto / Bruto coração de um bruto como você). Golpe baixo, soco no fígado, risadas diante da dor causada no adversário.

A questão básica é que quando uma mulher bonita e sensível se suicida, seis meses depois de ter se separado tempestuosamente do marido, fica para sempre fixada no tumulto (como escreveu Janet Malcolm). E é esse tumulto (rancor, histeria, tristeza, traição, neurose, filhos pequenos e acusações irrefletidas) que tem sido explorado por todos aqueles que sentem algum tipo de frenesi diante da possibilidade de olhar pelo buraco da fechadura e descobrir quais sórdidos segredos estão escondidos dentro da vida de alguém famoso. Sylvia Plath foi um prato cheio para os adeptos desse tipo de tara sexual.

Sylvia tinha oito anos quando seu pai, o professor Otto Plath (entomologista, especialista em abelhas) faleceu. Essa perda produziu muitas cicatrizes, como comprovam os poemas Daddy, Electra on Azalea Path, The Arrival of the Bee Box, entre outros. Para alguns biógrafos foi nesse momento que o desejo suicida se pronunciou pela primeira vez.

Durante a temporada que Sylvia cursou o Smith College, a sua vida foi dividida entre os muitos namorados, as sucessivas crises de depressão e a pretensão de seguir a carreira literária. Conseguiu publicar vários contos. Como alguns foram recusados e Sylvia era incapaz de suportar a rejeição, tentou suicídio. Ingeriu razoável quantidade de barbitúricos. Sem conseguir reverter o quadro de instabilidade emocional, a família resolveu interná-la, durante quatro meses, no Hospital McLean, em Belmont (Massachusetts). Entre outras delícias terapêuticas, eletrochoques.

Recuperada, voltou à universidade. Namorou bastante. Graduou−se com um estudo sobre o duplo em Dostoievski. E foi para a Inglaterra. Em Cambridge, escandalizou os ingleses, pois conseguiu colocar em xeque aquele mundinho aparentemente seguro. Freqüentou aulas, conheceu muita gente, fez teatro e foi visitar a França. Quando retornou, nova crise nervosa e a inevitável visita ao psiquiatra.

No final de fevereiro de 1955, na festa de lançamento da Saint Botolph’s Review, conhece Ted Hughes. Foi amor à primeira vista, atração fatal, cena de conto de fadas. Em carta para a mãe, relata a impressão que o jovem inglês lhe causou:

A coisa mais dilacerante é que nos últimos dois meses eu me apaixonei terrivelmente, o que só pode levar a muito sofrimento. Conheci o homem mais forte do mundo, ex−Cambridge, poeta brilhante cuja obra eu já adorava antes de conhecê−lo, um Adão alto, forte e saudável, meio francês, meio irlandês, com uma voz que lembra a trovoada de Deus – cantor, contador de histórias, leão e viajante, um vagabundo que jamais vai parar.


A fúria da paixão foi tão avassaladora que decidiram casar quase seis meses depois. A escolha do dia 16 de junho, conhecido como Bloomsday, foi proposital, uma espécie de homenagem ao mundo literário em que eles viviam.

O que aconteceu depois é apenas a repetição monótona do velho drama que atinge jovens casais: como colocar alguma comida na mesa? Enquanto procuravam emprego, mudaram várias vezes de endereço. Finalmente, em marco de 1957, Sylvia foi aceita como professora auxiliar no Smith College.

O retorno aos Estados Unidos coincidiu com o fracasso literário. Enquanto Ted Hughes recebia prêmios, resenhas favoráveis e publicava em todas as revistas possíveis, Sylvia acumulava ressentimentos: vários contos e poemas foram devolvidos pelas comissões editoriais de publicações e concursos.

Essa crise somente foi superada em janeiro de 1959, quando eles voltaram para a Inglaterra. Foi o início de uma série de bons acontecimentos: a carreira literária de Ted deslanchou, Frieda Rebecca nasceu em abril e o primeiro livro de Sylvia, The Collossus and Others Poems foi publicado.

Em 1960, novos problemas: aborto, apendicite e a suspeita de que Ted estava cometendo adultério. Sylvia se aproximou do colapso mental – foi salva por intensa atividade poética.

A mudança para Court Green, em North Devon, determinou o início do fim. Nessa casa isolada, precisando cuidar sozinha de duas crianças pequenas (Nicholas nasceu em janeiro de 1961), pois Ted raramente estava em casa, Sylvia flertou com a loucura – outra vez. A descoberta que Ted estava tendo um caso com Assia Wevill não ajudou em nada.

Como todo british gentleman, Ted chegou a sugerir uma separação civilizada. Sylvia não permitiu que isso acontecesse. A raiva e o rancor passaram a fazer parte do dia−a−dia do casal. Em setembro de 1962, Ted abandonou a esposa e os filhos e foi morar em Londres.

Logo em seguida, Sylvia e os filhos também foram para Londres. Depois de alugar um apartamento em 23, Fitzroy Road (Yeats também morou nesse endereço), ela continuou escrevendo. Com o pseudônimo de Victoria Lucas, o romance The Bell Jar (A Redoma de Vidro, no Brasil) foi publicado na Inglaterra no início de 1963.

Nesse período, as crises nervosas se sucederam com mais freqüência, com maior intensidade. Por recomendação médica, contratou uma enfermeira, Myra Norris.

Na manhã do dia 11 de fevereiro de 1963, quando chegou ao trabalho, Myra sentiu um cheiro muito forte de gás. Pediu ajuda. A porta foi arrombada. As crianças estavam com frio e fome.



A importância da poesia de Sylvia Plath está no tom confessional de seus versos, no "eu" dividido, nas imagens tormentosas, caudalosas, no strip−tease da alma, lamentos em forma de versos. O seu discurso poético remete ao inferno interior, à amargura, ao desespero e a todos aqueles sentimentos que alfinetam o existir humano. Não é uma poesia fácil, agradável, para ser lida em saraus ou no ouvido da namorada. Por outro lado, é de uma riqueza imagética impressionante, cheia de energia e, sobretudo, agressiva como um desabafo ou um tapa no rosto.

Há quem sustente a tese de que Sylvia Plath foi uma espécie de mártir do feminismo estadunidense. Besteira. Ela não estava interessada nesse tipo de ativismo político, inclusive porque suas neuroses não a deixavam em paz. A força de sua poesia brota espontaneamente do seu estar−no−mundo e não do mundo que nela deveria estar.

Em 1965, Ted Hughes permitiu a publicação do volume póstumo Ariel, que reúne o melhor de sua produção poética. E, em 1998, talvez para comemorar os 35 anos de morte da esposa, publicou um volume com 88 poemas confessionais. Birthday Letters concilia uma espécie de declaração de amor tardio e o reencontro com o passado. Com uma linguagem que mistura o fervor religioso da paixão com o entusiasmo juvenil, Hughes derrama em versos o desespero de quem quer que o leitor acredite que ele sempre esteve apaixonado por Plath. Uma tarefa árdua e, provavelmente, tardia.


No Brasil, a poesia de Sylvia Plath precisa conviver com várias traduções esparsas. Uma boa introdução a esse universo pode ser Poemas de Sylvia Plath, tradução de Rodrigo Garcia Lopes e Maurício Arruda Mendonça.

PALAVRAS


Machados

Que batem e retinem na madeira

E os ecos!

Ecos escapam

Do centro como cavalos.


A seiva

Mina em lágrimas, como a

Água tentando

Repor seu espelho

Sobre a rocha


Que cai e racha

Crânio branco,

Comido por ervas daninhas.

Anos depois eu

As encontro no caminho –


Palavras secas, sem destino,

Incansável som de cascos.

Enquanto

Do fundo do poço, estrelas fixas

Governam uma vida.



(Tradução: Rodrigo Garcia Lopes e Maurício Arruda Mendonça)



AUGE


A mulher está perfeita.

Morto,


Seu corpo mostra um sorriso de satisfação.

A ilusão de uma necessidade grega


Flui pelas dobras de sua toga.

Nus, seus pés


Parecem nos dizer:

Fomos tão longe, é o fim.


Cada criança morta, uma serpente branca

Em volta de cada


Vasilha de leite, agora vazia.

Ela abraçou


Todas em seu seio como pétalas

De uma rosa que se fecha quando o jardim


Se espessa e adores sangram

Da garganta profunda e doce de uma flor

Noturna


A lua não tem nada que estar triste.

Espiando tudo de seu capuz de osso.


Ela está acostumada a isso.

Seu lado negro avança e draga.


(Tradução: Rodrigo Garcia Lopes e Maurício Arruda Mendonça)


12 comentários:

  1. magnífico post, magnífica Silvia! Conheci seus escritos há pouco tempo através de Carmen Presotto e amei!

    Uma poeta extraordinária!

    Beijos!

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  2. Fiquei absorta, só pela leitura que fiz de suas palavras em relação a Sylvia e destes poemas. Fiquei com muita curiosidade de ler mais...

    um abraço
    oa.s

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  3. Lou Albergaria: Sou um fã devoto de Sylvia Plath, desde os anos 90 (talvez antes). Diante de alguns de seus poemas, sinto uma espécie de furor e inveja. Como todo poeta genial, Sylvia era louca de pedra!

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  4. Oceano Azul. Sonhos: Obrigado pela leitura. O mercado editorial está repleto de livros sobre Sylvia Plath. Ler seus poemas é uma aventura embriagadora.

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  5. Sylvia Plath escreveu poemas de uma nudez de minhoca. Dá pra ver tudo lá dentro. Fascina e assombra. òtimo.

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  6. Sylvia, poetisa grandiosa e polêmica em seus versos metamorfozeados e grandiosos, alucinam e assombram, encantam e deslumbram.

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  7. É, Raul, as minhocas são transparentes em sua nudez. se você pegar uma e olhar contra a luz vai ver tudo que tem dentro dela. Cave a terra, capture uma e confira por si mesmo. Abraço.

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  8. Maurélio: Sylvia tinha a grandeza de um cometa, luz a nos iluminar por poucos segundos, mas que fica gravada na mente pelo resto da eternidade.

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  9. Já estou em dois meses mergulhado nos poemas de Sylvia, e vejo por enquanto letras e pressentimentos construidos por uma vertente nobre. Fortes luzes exarcebadas ornamentando a tristeza, e uma amargura crescente que se dilata em cada poema. Imagine que houve época em que ela escrevia 26 poemas por mês todos já tingidos pelo sangue e anunciando a sua morte precoce. Sua obra será por muito tempo um valioso tesouro roendo a cabeça dos criticos literários, eu sou um.

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