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segunda-feira, 3 de outubro de 2011

SEM FÔLEGO

Difícil acreditar que alguém tenha escrito um romance a respeito do surfe. De todos os esportes, provavelmente é o menos literário. Além disso, não é possível ignorar que a opinião pública sobre a rapaziada que vive sonhando em montar nas ondas não é a melhor possível: maconheiros alienados, sem vida interior. Independente dessa suspeita ser – ou não – verdade, pouco ajuda o fato de alguns surfistas freqüentarem as páginas policiais − como ocorreu quando da morte do multicampeão Andy Irons.

Fôlego somente poderia ter sido escrito por um australiano. Tim Winton nasceu em Perth, em 1960. Possui um currículo extenso como escritor: diversos romances e contos, livros infantis, ensaios. Foi finalista do Booker Prize duas vezes. Outro de seus romances A mulher perdida também foi traduzido no Brasil.

Na Austrália, o surfe é (quase) uma religião. Em alto−mar, enquanto aguarda pela possibilidade da onda perfeita, o surfista pratica uma espécie particular de zen−budismo. A espera está justificada no encanto da coreografia aquática − movimento, equilíbrio e solidão entrelaçados por poucos segundos de beleza.

O protagonista e narrador de Fôlego, Bruce Pikelet, tem quinze anos e acredita naquela "sensação proibida de fazer algo grandioso, como se dançar sobre a água fosse o melhor e mais corajoso ato que um homem poderia desempenhar". Foi com o surfe e com Loonie, um amigo, que descobriu a possibilidade de transformar o mar em um imenso parque de diversões: "Naquele verão, Loonie e eu surfamos até ficarmos tostados de sol, até os braços ficarem fracos, até a espuma das ondas deixar nossas barrigas assadas."

Na companhia de um surfista mais velho, Sando, os amigos começam a desvendar os segredos e promessas da vida e do esporte. Lentamente, enquanto fica excitado pela endorfina, Pikelet vai perdendo a ingenuidade. Vai descobrindo que nada é simples, tranqüilo ou isento de riscos. O maior desses perigos somente aparece depois da metade da narrativa.

Sando e Loonie vão surfar em Java. Pikelet fica para trás. Eles não o vêem como igual. Querem mais. O garoto ainda não sabe o que quer. Só vai descobrir quando, passeando de bicicleta pela praia, recebe um convite. A esposa de Sando, Eva Sanderson, quer companhia. Ou melhor, quer oferecer algo mais. A delícia que o rapaz encontra no sexo é tão intensa quanto o estar em cima da prancha.

O que Pikelet demora a descobrir é que as atividades praticadas entre lençóis são asfixiantes. Podem deixar sem fôlego aqueles que confiam que o prazer é suficiente para abrir as portas do céu. Amar e sofrer são verbos amargos.

Fôlego é típico romance de formação (Bildungsroman). A trajetória emocional de Bruce Pikelet está assentada em um percurso repleto de enganos e de avaliações equivocadas. O autoconhecimento só se torna possível com a ruptura do vício amoroso, isto é, com a infelicidade.

3 comentários:

  1. Parece muito inetressante, obrigada por partilhar.
    Abraço
    oa.s

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  2. Obrigado por ler! Eu gostei do livro - e de teu comentário. Beijos e abraços!

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  3. Jack London escreveu o texto que creio ser o primeiro a respeito do surf, por volta de 1904/1905.
    Está no seu belo livro "A travessia do Snark", e chama-se "Um esporte de reis". Fascinado, aprendeu a surfar.

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