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quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

A LATA DE LEITE


Entrou no supermercado sem mapa, bússola ou astrolábio. Se estivesse de posse de toda essa parafernália, além de um bom GPS, ainda assim se sentiria perdido. Queria levar um pequeno presente quando fosse visitar a filha recém−nascida da sobrinha. Então, descobrir onde estavam escondidas as latas de leite era o objetivo. Esconder é o verbo adequado para definir a situação. Passeou por todos os corredores e em nenhuma prateleira foi capaz de encontrar o alimento.

Procurou com a meticulosidade de um Sherlock Holmes. E nada. Tinham desaparecido. Encontrou o sabão em pó e o vinho. Definitivamente, não era isso o que estava buscando. Quase comprou uma garrafa daquele tinto português super−caro que estava a namorar nos últimos três meses. Seria um rombo no cartão de crédito. Melhor deixar para outra oportunidade. Para garantir a saúde financeira, virou o rosto para o outro lado e abandonou o delírio.

E o leite? Continuava em lugar incerto e não identificado. Igualmente fora do cenário estavam os funcionários do estabelecimento. Se fosse paranóico, ou melhor, um pouco mais paranóico, imaginaria que alguma conspiração maluca havia engolido os funcionários. E o leite.

Antes que o desespero cobrasse a taxa de consumação mínima e transformasse a situação em drama de terceira categoria, pediu ajuda para a primeira mãe acompanhada por criança que encontrou. Quase perguntou: Pelas cólicas infantis que destroem o sono dos pais despreparados, onde é que estão escondidas as latas de leite? Quase. No último segundo, mudou de tática e com um tom de neutralidade civilizada, fez outra pergunta. Por favor, será que a senhora poderia me ajudar? Estou procurando comida para criança pequena.

Claro que ela sabia. E, sem o menor esforço, forneceu a direção. Não satisfeita em ajudar, mostrou que tinha conhecimento prático sobre o tema. Tanto que, antes de qualquer coisa, perguntou pela idade da criança. Ao saber que a menina não tinha mais do que quinze dias de vida, não perdeu tempo e começou a enumerar os tipos de leite possíveis de serem encontrados na prateleira. Foi uma aula. Daquelas que fazem os alunos ficarem olhando para o relógio, consumidos de ansiedade pelos minutos que faltam para o início do intervalo.

Constrangido, ele só pensava em escapar o mais rápido possível. Era injusto ter que agir educadamente justamente no momento em que estava tentando ser educado. Usualmente costuma escolher a rispidez como fecho natural para esse tipo de situação.

Controlou a aflição. Talvez por estar encenando um "momento ternurinha", agüentou o discurso maternal como se fosse um recital de poesia.

Felizmente, a menininha que acompanhava aquela mãe solicita perdeu a paciência e mostrou ao mundo o seu mais interessante talento: as lágrimas. Sem a mínima solidariedade com o problema alheio, enquanto a garota chorava metade da Catarata do Iguaçu, ele aproveitou a oportunidade e se despediu. Antes, justificou: A bebê não é minha, é filha da minha sobrinha.

De onde é que surgiu esse mecanismo de defesa? Será que a possibilidade de ser confundido com algum pai−avô colocou em polvorosa o medo inconsciente de ter outro filho? Uns dez anos de terapia quiçá sejam suficientes para explicar o porquê desse temor ter se manifestado no primeiro momento de descuido.

Antes que os fantasmas tomassem conta do espetáculo, acelerou o passo. Dobrou no corredor à direita, seguiu em frente e, tandanrandam, como se fosse passe de mágica, estava diante de centenas, quem sabe milhares, de latas de leite. Uma mais cara do que a outra. Meio quilo de urânio enriquecido provavelmente seria mais barato.

Procurou pelo papel onde havia anotado a marca que deveria comprar, mas isso não foi suficiente. Cada tipo de leite é dividido em sub−categorias, cores, números e embalagens com diversas quantidades. Como se estivesse na antecâmara do inferno pensou em desistir e comprar uns dois pacotes de fraldas. Cinco segundos depois, a razão mostrou que essa bobagem era uma bobagem. Fraldas existem em vários tamanhos, tipos e marcas. Repetir a mesma comédia não tinha graça.

Ciente de que não há lugar mais solitário no mundo do que os corredores de um supermercado, telefonou para quem de direito e pediu socorro. Socorrido foi. O leite adequado para a criancinha estava diante dos seus olhos. Pegou a lata, colocou na cestinha e foi procurar por outros itens necessários para o dia−a−dia de quem quer sobreviver na selva urbana.

Um comentário:

  1. Com mais gênero de conto, A lata de LEITE DE RAUL, AINDA CRÔNICA,mantém a mesma curiosidade no leitor fruidor que consegue ir até o fim p se solidarizar e torcer pelo protagonista que busca ansioso uma lata de leite p uma criança como se isso fosse uma questão de vida e morte; o estilo já quase estilema do autor prima pela norma culta e complica c originalidade os fatos simples e o próprio pensamento do narrador onisciente c comparações longas e quase hilárias de atos simples ou pensamentos q o narrador coloca no pensamento do protagonista, desta vz Raul n explorou mto a expectativa frustrada com um final inusitado, optou pelo simples esperado, apesar da angústia que sentiu ao encontrar tantas opções de compra quando o medo era n achar nem uma espécie do produto - Marlene Perez

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