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segunda-feira, 29 de agosto de 2011

MEIA−NOITE EM PARIS

Owen Wilson, com aquela voz esganiçada, que alterna graves e agudos com espantosa facilidade, é um ator simpático − desses que parecem destinados à mediocridade das comédias escrachadas (Wedding Crashers, 2005, Drillbit Taylor, 2008, Marley and me, 2008). E é, provavelmente, a maior (e melhor) surpresa de um dos filmes dirigido por Woody Allen: "Meia−noite em Paris".

O personagem que Owen Wilson interpreta, Gil Pendler (roteirista de filmes "adoráveis, mas esquecíveis"), está em Paris na companhia da família de sua noiva, Inez. Ele sonha em se mudar para a capital francesa, escrever um romance e viver uma vida intelectual intensa. O mundo idealizado é o motor que o empurra na direção da vida. Como contrapartida, a vida que destrói o sonho está bem representada na sátira ao estadunidense medíocre e que se projeta na tela do cinema em diversas situações – uma das mais divertidas: durante degustação de vinhos, o pai de Inez lembra as qualidades vinícolas do Vale do Napa.

O gatilho que elimina as distâncias que existem entre o real e a fantasia ocorre quando, ao sair de restaurante, completamente bêbado, Gil se perde nas ruas da "cidade luz". Logo depois de ouvir as doze badaladas de uma igreja próxima, embarca em um Peugeot antigo, que o leva para uma festa na casa de Jean Cocteau. Ao som das canções de Cole Porter, os anos 20 em Paris se materializam. Na companhia de Scott e Zelda Fitzgerald, Ernest Hemingway, Gertrude Stein, Pablo Picasso e outros ícones, Gil repete essa experiência non−sense diversas vezes. Esquizofrenicamente, o personagem constrói a negação da realidade: durante o dia cumpre com as obrigações sociais (visita museus e restaurantes), durante as noites se transforma em ativo participante de uma vida cultural que não existe mais.

Misturando elementos cinematográficos presentes em trabalhos anteriores, principalmente Manhattan (1979) e Rosa Púrpura do Cairo (The purple rose of Cairo, 1985), Woody Allen não poupa elogios à Paris: a cena inicial, em que a câmera desliza pela cidade, ao som de Sidney Bechet, misturando afeto e chuva, é um tributo à eternidade da beleza. Sem a ajuda do diretor de fotografia Darius Khondji (que também filmou Beleza Roubada e Ladrão de Sonhos, entre outros) esse poema amoroso não seria possível.

Ao escolher um personagem ingênuo e desajeitado para protagonizar a fábula do desejo que somente se torna possível na ficção, Woody Allen confeccionou um alter−ego bem estruturado, capaz de discutir politicamente a função da arte e a inutilidade da nostalgia. Contra todas as receitas propostas pela ideologia da auto−ajuda, que dita a glamorização de alguns períodos da história, Gil Pendler descobre o óbvio: aquele que abdica da vida concreta em nome de valores abstratos ou idealizados, também fecha os olhos para o jogo de interesses que os constituem. Se Paris é uma festa, de acordo com a célebre definição de Hemingway, também é necessário admitir que, no país dos sonhos, sempre é meia−noite.

P.S.1: Para o espectador que possui algum conhecimento cultural mais aprofundado (principalmente literatura, cinema e artes plásticas), há um aspecto que não é agradável. A insegurança de Scott Fitzgerald, a loucura de Zelda, o comportamento falastrão de Hemingway, o anti−convencionalismo dos surrealistas (Salvador Dali, Man Ray, Luis Buñuel), a masculinidade de Gertrude Stein estabelecem a ligação histórica, mas de forma caricatural. Falta substância, sobra superficialidade.
P.S.2: Sessão lotada: três pessoas. O projetista e dois pagantes (eu e outra pessoa!).

2 comentários:

  1. Olá Raul, penso que ninguém está satisfeito com o tempo e o espaço que habita. A chuva em Paris é poética. Em Lages é uma desgraça. O filme é de um divertido anti-americanismo, em que Woody Allen identifica sua Paris atemporal como ponto de resistência ao tea party e ao Napa party.
    Rafael R. Schmitt.

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  2. Rafael,

    Médio. Você tem razão, mas... essa rota de fuga escolhida pelo Woody Allen me parece muito romântica, muito "século passado".

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