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quarta-feira, 5 de outubro de 2011

O INVERNO ESTÁ CHEGANDO


O reino da fantasia possui vários sinônimos. Talvez o mais complicado (em alguns casos, o mais fácil) seja literatura. Talvez. De qualquer forma, a única maneira razoável de contar uma história é recontar os temas míticos − mudando detalhes, lugares e situações.

O surpreendente sucesso da série As crônicas de gelo e fogo (sete livros, cinco já publicados em Estados Unidos, três no Brasil) confirma que o imaginário contemporâneo ainda não foi devorado pelo mecanicismo tecnológico ou pela falta de imaginação. Cada um dos volumes se arrasta por mais de 600 páginas. É preciso ter fôlego para devorar essa imensidão de papel. Até o momento, não encontrei um único leitor que fizesse dessa peripécia um motivo para reclamação. Ao contrário, todos querem continuar a ler a saga dos irmãos Stark, Lannister, Baratheon e Targaryen.

Ambientada em uma época que parece decalcada dos livros que integravam a coleção terra−mar−e−ar, misturando as extraordinárias aventuras do rei Arthur com o código de honra cavalheiresco da Idade Média e acrescentando alguns elementos do fantástico, As crônicas de gelo e fogo conseguem a proeza de conquistar novos leitores nesses tempos de analfabetismo funcional.

Ao escrever uma fábula para adultos (embaralhando Ivanhoé com traços de Fanny Hill), George R. R. Martin se apropriou de diversos truques da alta literatura. O mais impressionante deles foi o de utilizar um narrador de terceira pessoa que se desloca para o ponto−de−vista de alguns personagens. Isso permite que algumas cenas possam ser narradas por diversos ângulos. Usando e abusando desse recurso "de cinema", criou um dinamismo raro em narrativas que dependem do descritivo. O uso de diálogos em quantidade, associado com cenas de ação, também acrescentou efeitos mágicos ao texto.

Cada capítulo, seguindo o roteiro instituído pelo folhetim, termina com algum tipo de "gancho". O leitor, fisgado pelas constantes reviravoltas da trama, redobra o interesse no que está ocorrendo no universo narrativo e fica curioso para saber o que acontecerá no próximo volume.

Cada livro está povoado por milhares de personagens − alguns deles não sobrevivem a vinte páginas. No entanto, são raros os que não possuem profundidade psicológica. E isso significa que a narrativa está imersa em sentimentos humanos: amor, luxúria, ciúme, paixão, rancor, fidelidade, ambição...

A discussão política e, conseqüentemente, a luta pelo poder, está presente em cada página da série. A ação dos principais personagens está conectada com a ascensão e queda das classes dirigentes. Em particular, o dilaceramento do reino atinge em cheio os habitantes de Winterfell. A cada um dos filhos de Eddard Stark (Robb, Sansa, Arya, Brandon e Rickon, além de Jon Snow, o bastardo) cabe participação ativa no enredo. Suas histórias desencontradas se arrastam pelos campos de batalha. Entre Porto Real e "A Muralha" correm rios de sangue.

O Inverno está chegando é a divisa nobiliárquica da casa Stark. É uma espécie de vaticínio aos tempos de crise, é quase que um resumo da epopéia que compõe As crônicas de gelo e fogo.


2 comentários:

  1. Leitura maravilhosa. Criei um vínculo emocional com alguns personagens ao ponto de sentir saudade, quando estou fazendo outra coisa. Abraço, Raul.

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  2. Rafael: Depois da saga Harry Potter, Crônicas de fogo e gelo!!! Sou fã!

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