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terça-feira, 27 de dezembro de 2011

SÓ GAROTOS


Na longa e esburacada estrada que liga o desassossego à loucura, o livro de memórias de Patti Smith, Só garotos (Just kids), é parada obrigatória. Basta estacionar na vaga destinada aos curiosos e Un Chant d’Amour será encenado imediatamente. Coisa fina. Dessas que ensinam que muitas vezes a contradição é o caminho mais claro para a verdade. Embora − como é fácil de comprovar − ninguém saiba exatamente o que deve ser essa tal de "verdade".

A história da artista plástica − depois, cantora − Patti Smith com o artista plástico − depois, fotógrafo − Robert Mapplethorpe não foi constituída por brincadeiras de criança. Barra pesada. Sexo, drogas e rock and roll, como manda o manual das contravenções. Afinal, a juventude na beira do abismo − protegida pelos espíritos de Arthur Rimbaud e William Blake – costuma escolher qual é o seu medo favorito: cair ou pular.

Eles eram quase crianças quando se conheceram, namoraram um pouco e dividiram a vida como se fosse dádiva divina. Diversão não faltou. Houve excesso de lágrimas, fome nos momentos mais difíceis, alegria descontrolada nos melhores períodos. Muita droga e álcool. Além disso, independente das preferências, bastante sexo. Entre eles e com outras pessoas.

Com uma linguagem contida, dessas que ficam devendo os detalhes mais sórdidos, Patti Smith preferi contar alguns dos principais acontecimentos na vida do casal de forma poética. Evidentemente, como compete a quem controla a voz narrativa, usou constante e continuamente das elipses. Esse recurso não compromete o ordenamento do relato, embora contribua para deixar sem preencher algumas lacunas importantes.

O que Patti Smith não omitiu foram algumas descrições pitorescas sobre o período em que, na companhia de Robert, morou no lendário Hotel Chelsea – toda a história da contracultura nova-iorquina, em algum momento, esteve hospedada naquele local. Também não economizou detalhes sobre como e porque migrou das artes plásticas para a poesia e depois para a música.

Em relação a Robert, fez diversos comentários sobre alguns de seus tormentos de identidade, inclusive a fixação no sadomasoquismo homossexual. Foi com a ajuda de Samuel Jones Wagstaff Júnior (25 anos mais velho), provavelmente o mais importante dos amantes de Robert, que a carreira de fotógrafo se tornou conhecida. Ao mesmo tempo, as exposições dessas fotos produziram muitos escândalos – que Patti Smith não menciona, pois o seu depoimento não ambiciona a polêmica ou a discussão ideológica sobre alguns conceitos conservadores de arte.

Allen Ginsberg e Patty Smith
Nomes de celebridades escorrem limpidamente pelo leito do rio narrativo: Bob Dylan, Jimi Hendrix, Sam Sheppard. Andy Warhol, Janis Joplin, Peggy Guggenheim, Allen Ginsberg, Gregory Corso e milhares de outros menos cotados na bolsa de valores da cultura pop.

Nas últimas páginas, Patti redige uma espécie de elegia: a morte de Robert. Não são paginas alegres, a Aids corroendo aquele que um dia fora um homem bonito e que, naquele momento, estava estirado em um leito de hospital.


TRECHO ESCOLHIDO 


Eu estava dormindo quando ele morreu. Telefonei ao hospital para dar boa−noite outra vez, mas ele já estava embalado, sob camadas de morfina. Segurei o telefone e fiquei ouvindo sua respiração ofegante, sabendo que nunca mais o veria de novo. 

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